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Entrevista: Frederico Fleury Curado - presidente da Embraer









"Só a aviação pode integrar o Brasil"

Rosenildo Gomes Ferreira

Como boa parte dos estudantes de engenharia do prestigioso Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), o carioca Frederico Fleury Curado, 49 anos, sonhava em trabalhar na Embraer.

Ingressou na companhia em 1985 e 22 anos depois assumiu o manche da empresa. No posto de presidente, um dos momentos mais dramáticos que atravessou foi assinar a demissão de quatro mil funcionários, em fevereiro de 2009. “Foi uma medida dura, mas necessária. A crise econômica acertou em cheio o mercado de aviação”, justifica. Hoje, ele se vê diante de um cenário bem diferente. A companhia voltou a fechar novos contratos de venda, está tocando um projeto na área militar, o KC-390, e se consolidou no segmento de aviação executiva. Curado defende a volta de incentivos governamentais à aviação regional. “Trata-se da única forma de integrar um país tão grande quanto o Brasil”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista à DINHEIRO:

DINHEIRO – Em 2009, a Embraer demitiu, de uma só vez, cerca de quatro mil funcionários. O sr. se arrepende disso?

FREDERICO FLEURY CURADO – Foi uma decisão difícil, mas cercada de legitimidade. Com a crise econômica global, havia uma perspectiva de queda na receita, que acabou se confirmando. Saímos de um faturamento de US$ 6,5 bilhões, em 2008, para US$ 5,4 bilhões, em 2009, e, em 2010, deveremos fechar com US$ 5,2 bilhões. Na época, ficou claro que não iríamos retomar aquele patamar tão cedo.

DINHEIRO – Mas a impressão que ficou é que quem pagou a conta da crise foram apenas os funcionários. É isso mesmo?

CURADO – Claro que não. O corte atingiu todas as áreas, inclusive os dividendos pagos aos acionistas. Hoje, a Embraer é uma empresa saudável.

DINHEIRO – Pode-se dizer, então, que o pior já passou?

CURADO – Sim. O mercado de aviação está estabilizado e vemos até sinais de retomada.

DINHEIRO – Recentemente, a Embraer fechou um contrato para a venda de aviões para a NetJets, de Warren Buffett. Qual é a importância desse segmento?

CURADO – Trata-se da nossa entrada na frota da maior operadora do mundo. O jato Phenom está no mercado há cinco anos e hoje já é um concorrente importante. No ano passado, 14% dos aviões executivos entregues no mundo eram da Embraer. Até 2007 corríamos atrás de feiras de aviação para expor os produtos. Hoje, não existe um evento sem a nossa participação.

DINHEIRO – E quantas aeronaves foram entregues para clientes brasileiros?

CURADO – O País respondeu por 15% de nossas vendas de jatos.

DINHEIRO – Quem adquire um jato executivo ainda é visto com algum preconceito no Brasil. Isso atrapalha as vendas do setor?

CURADO – Existe uma questão cultural forte no Brasil, vinculando a compra de bens de elevado valor a um comportamento de ostentação. Essa mentalidade atrapalha porque o jatinho também é um instrumento de desenvolvimento, pois gera emprego em vários setores da economia. Nos EUA, entende-se que a aquisição de uma aeronave faz parte de uma solução logística para empresas e pessoas.

DINHEIRO – Que cenário o sr. vislumbra para os próximos anos?

CURADO – O Brasil se encontra em uma posição privilegiada em relação aos demais países. Aqui existem perspectivas de crescimento sustentado. E isso é ótimo. Contudo, a realidade de EUA, Europa e Japão é bastante diferente. As economias desses países não se recuperaram da crise de 2008. Só acredito em uma retomada a partir de 2012.

DINHEIRO – Qual é a prioridade da empresa na área militar?

CURADO – Nossa aposta é o KC-390, que é um avião para transporte de tropas e suprimentos. Trata-se de um projeto de grande impacto e seu desenvolvimento está atrelado a aquisições futuras da Força Aérea Brasileira (FAB). Ao contrário do subsídio, que sempre mascara uma ineficiência, as compras governamentais têm a capacidade de fomentar o setor e podem dar origem a um novo produto para exportação.

DINHEIRO – No passado, o Brasil fez parceria na área militar com a Itália, para o desenvolvimento do caça subsônico AMX. Agora, a empresa está repetindo o mesmo com a Argentina e outros quatro países. O que esse projeto apresenta de novo?

CURADO – A diferença é que a Embraer é a líder industrial do projeto. As especificações da aeronave foram definidas pelo Ministério da Aeronáutica e os parceiros têm o compromisso de desenvolver sistemas e adquirir alguns exemplares. Os protocolos de intenção prevêem a venda de 54 unidades para Argentina, Chile, República Tcheca, Colômbia e Portugal.

DINHEIRO – Qual o valor do investimento?

CURADO – Nosso orçamento é de R$ 3,2 bilhões, número considerado tímido por diversas empresas do setor. Mas temos condição de trabalhar com esse montante e concluir o projeto conforme prevê o cronograma.

DINHEIRO – O KC-390 também estará sujeito a embargos, como no caso do SuperTucano, da Embraer, cuja venda para a Venezuela foi vetada pelos americanos?

CURADO – Qualquer exportação de material militar enfrenta restrições. O Brasil também possui uma lista de países para os quais não podemos fornecer. Como a aeronave possui componentes americanos, será necessária a autorização prévia em cada venda. É impossível fazer um avião sem contar com insumos produzidos nos EUA.

DINHEIRO – Os governantes dos EUA e de países europeus se envolvem diretamente na promoção das exportações. O governo brasileiro tem ajudado nessa área?

CURADO – Temos de ter claro que a força do País no jogo global ainda não é semelhante à dos EUA, Alemanha ou França. Contudo, o crescimento da visibilidade do Brasil no cenário internacional é inegável. Nunca tivemos problemas por sermos uma empresa brasileira. Além disso, é preciso registrar que o presidente Lula sempre apoiou a Embraer.

DINHEIRO – Por que, então, vemos tão poucos aviões da Embraer voando aqui?

CURADO – Não se trata de uma questão unicamente de governo. Não podemos deixar de lado o fato de que o setor de aviação no Brasil encolheu. O número de empresas caiu dramaticamente e, além disso, todos os mecanismos de incentivo à aviação regional foram retirados. Com isso, o número de cidades atendidas pela malha aérea caiu de 250 para cerca de 150. As empresas de grande porte, como TAM e Gol, priorizaram as rotas onde a demanda é maior e investiram em aeronaves de maior porte. Hoje, estamos recuperando espaço junto às novas empresas, como a Azul e a Trip, que estão apostando no tráfego regional e nos consumidores emergentes.

DINHEIRO – O sr. defende a volta dos subsídios para a aviação regional?

CURADO – Sim. Mas isso tem de ser definido como política de Estado. Não podemos perder de vista que o Brasil é um país com enorme dimensão territorial que para ser integrado depende do transporte aéreo. Não podemos deixar de lembrar que esse sistema já funcionou no Brasil e está sendo copiado pelo governo da China.

DINHEIRO – A China se tornou uma pedra no sapato da Embraer?

CURADO – Primeiro, gostaria de dizer que nossa história de dez anos naquele país foi positiva. A parceria com a Harbin funcionou bem. As vendas só não foram melhores porque o produto que fabricamos lá, o ERJ 145 para 50 passageiros, perdeu espaço não só na China como no mundo inteiro. As relações com o governo chinês sempre foram boas. O problema é que estamos com dificuldades para conseguir a aprovação da fabricação do EMB 190. Se não pudermos mudar a produção, teremos de fechar a unidade em 2012.

DINHEIRO – Como competir sem produção local e concorrendo com uma estatal?

CURADO – Essa é a nossa preocupação. Se eles agirem de acordo com as regras de comércio global, acho que podemos ser competitivos. A existência de um similar fabricado localmente, porém, pode comprometer nosso projeto. O Brasil não dá proteção ao mercado aeronáutico. A tarifa é zero e acho bom que seja assim porque a indústria é global.

DINHEIRO – Falta empenho do governo brasileiro nessa questão?

CURADO – De jeito nenhum. Em todas as esferas do governo e também na área diplomática, temos recebido apoio das autoridades. A questão é delicada porque envolve decisão de cunho estratégico do governo chinês e não temos muito o que fazer a não ser aguardar.

DINHEIRO – O que o sr. espera do governo de Dilma Rousseff?

CURADO – Acredito na continuidade dos projetos que estão dando certo. O primeiro discurso dela após o resultado das eleições foi muito bem recebido por nós e mostra que ela tem firmeza em seus propósitos em relação a pontos como estabilidade econômica.

DINHEIRO – E quais seriam os pontos que o sr. considera que precisam ser atacados na esfera federal?

CURADO – O principal deles é a carga fiscal e a complexidade tributária do País. As regulamentações mudam a cada dia e isso é complicado. Além disso, temos de atacar questões como os gargalos na infraestrutura.

DINHEIRO – O sr. acha que a presidente Dilma saiu das urnas com cacife para resolver essas demandas?

CURADO – Vejo a presidente Dilma como uma pessoa que terá uma posição de destaque na área administrativa e gerencial. Tenho uma expectativa positiva em relação a isso. Tem coisas, no entanto, que não dependem do Executivo, como a reforma tributária. Mas o empenho da presidente é vital para que medidas como essa saiam do papel. Estou otimista porque ela deixou isso claro, logo em seu primeiro pronunciamento.

Fonte: REVISTA ISTO É DINHEIRO, via NOTIMP




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