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Ozires Silva, fundador da Embraer, acredita em maior competição na aeronáutica



Júlio Ottoboni .

Ozires Silva é hoje considerado um dos homens mais importantes da aviação nacional por ter ajudado a criar a primeira fábrica de aviões da América do Sul, a Embraer. Ao longo de seus 80 anos contabilizou inúmeras homenagens e, em breve, terá sua história contada em biografia. - São José dos Campos

Ozires Silva está para a aviação brasileira como Santos Dumont para a aeronáutica mundial. A comparação não é em nada exagerada: basta dizer que ele foi o responsável pela criação da primeira fábrica de aviões do Hemisfério Sul e por conduzir a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) para se tornar uma das maiores do mundo em seu segmento. Engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1962, foi ministro da Infraestrutura, presidente da Petrobras e retornou, no início dos anos 90, à Embraer para privatizá-la e, assim, salvar sua criação em meio a uma das piores crises que a companhia já enfrentou. Detentor da patente de coronel, Ozires é um homem simples, muito afável e de raciocínio rápido.

Apesar de seus 80 anos de idade, tem uma disposição invejável e um currículo com honrarias de mais de duas dezenas de países. Atualmente é reitor do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), de São Paulo. É doutor honoris causa pela Queens University, da Irlanda, e pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Autor de seis livros, sua biografia está sendo preparada e deve ser lançada em breve. Sua história de vida é riquíssima: vai desde sua formação, em 1951, como piloto, até ter servido na FAB da Amazônia nos Correios de Fronteira. Foi professor do ITA, presidiu a Varig e é membro da Academia Joseense de Letras, de São José dos Campos, onde reside desde o início dos anos 60.

Considerado um dos dez mais importantes homens da aviação moderna, Ozires Silva concedeu entrevista exclusiva ao DCI, abordando diversos aspectos do mercado da aviação e o ingresso da Embraer na China e no segmento de Defesa.

DCI: Como o senhor analisa o atual momento do mercado aeronáutico? Faça uma avaliação deste cenário no pós-crise norte-americana.

Ozires Silva: O mercado aeronáutico mundial é sempre sensível às crises econômicas, mas nos últimos anos, em particular, o segmento de transporte aéreo vem crescendo acentuadamente. Ou seja, da ordem de 6 % ao ano, o que é muito alto para um setor que caiu muito depois do ataque terrorista de 11 setembro de 2001. No Brasil, nos últimos três anos o crescimento tem sido quase que explosivo, acima de 20% ao ano, a que prefiro de chamar de reposição de perdas, pois ainda hoje o nosso transporte aéreo é muito menor do que o País precisa. As restrições regulamentares e decorrentes de ações governamentais são muito pesadas. Já o mercado de aviões executivos, também atendido pela Embraer, sofreu diretamente devido à crise econômica nos países desenvolvidos, ainda não dando sinais de retorno à sua normal vitalidade. No Brasil, embora a demanda, do ponto de vista da quantidade de aviões vendidos, não se compare com a dos Estados Unidos ou a da Europa, a presença da Embraer foi marcante, atingindo cerca de 19% de presença de aviões brasileiros em operação, o que é surpreendente para um esforço da empresa ocorrido somente nos últimos cinco anos.

DCI: Quais são as perspectivas para a Embraer nesse cenário?

OS: A Embraer está se defendendo bem, embora com maior dificuldade, pois, embora seja reconhecida a qualidade dos seus produtos, a comercialização depende muito da conjuntura internacional e dos processos de apoio financeiro, que não dispõem agora de um quadro fácil, desde a ocorrência da crise financeira que afetou os Estados Unidos, claramente o maior mercado aeronáutico do mundo.

DCI: Analistas afirmaram que os chineses, não os brasileiros, serão os grandes concorrentes do mercado de aviação no futuro. O que o senhor pensa disso?

OS: Sem dúvida, os chineses vêm surpreendendo o mundo com sua criatividade e vitalidade para investir e colher resultados. Afirma-se que isto vem de mais de cinco mil anos de tradição no comércio, agora com técnicas, métodos e processos ocidentais, o que eles não conseguiram no passado. Eles representam algo que não se pode menosprezar. A trajetória da Embraer para conquistar as posições de que dispõe hoje no mercado mundial não foi fácil de consolidar, partindo de um País como o Brasil, sem tradição importante nos mercados de produtos manufaturados e sofisticados. Já os chineses estão conquistando com impressionante velocidade uma credibilidade que não tinham no passado. Em resumo, não é fácil prever o que acontecerá, mas não se pode duvidar de que a presença dos produtos aeronáuticos chineses venha a se tornar uma realidade difícil de ser vencida.

DCI: Como o senhor avalia o avanço da Boeing e da Airbus no mercado de aviação, particularmente depois do anúncio da maior compra de aviões?

OS: A Boeing e a Airbus estão no mais ativo mercado de transporte aéreo mundial, diria, o de mais ou menos 150 a 350 assentos. Todas as previsões internacionais indicam que agora, e ainda no futuro, e por longo tempo, a demanda por aviões com mais de 200 assentos será a principal no mercado mundial. Isto é uma vantagem competitiva significativa. A presença da Embraer no transporte aéreo é mais no topo da aviação regional, que ainda não procura aviões de menor número de assentos numa escala que se possa igualar à de aviões maiores. O problema parece ser o custo operacional por passageiro transportado, pois é óbvio que um avião de menor número de assentos disponível tem de transferir custos de operação completos a uma quantidade menor de passageiros, encarecendo as passagens vendidas. Embora os consumidores não entendam que a operação, por passageiro transportado, seja maior nos aviões menores, esse fator pode ter peso numa procura menor por aparelhos de pequeno porte. A pergunta a ser colocada é se a nossa empresa deveria, ou não, entrar no segmento de aviões de transporte de maior capacidade.

DCI: Como o senhor analisa essa parceria entre a Embraer e os chineses?

OS: Não tenho recentes informações de como está a associação da Embraer com os chineses. As informações de que disponho são de que, claramente, os chineses competirão firmemente, mesmo que seja contra a joint venture da nossa empresa com eles. Os chineses, diferentemente dos brasileiros, preferem comprar produtos chineses e, se o avião não for diretamente produzido por eles, certamente qualquer competidor terá maiores dificuldades no mercado interno da China.

DCI: Valeu o risco para a Embraer, já que os chineses ainda não conseguiram colocar no mercado o ARJ-21, muito por carência de tecnologia?

OS: Todos sabem que o mercado moderno é muito competitivo. Há riscos para a participação, ou para liderar, no moderno mercado mundial (fundamentalmente globalizado); é difícil. A Embraer correu o risco que, na minha opinião, deveria correr. Os chineses provavelmente sabem que competir com vantagens no mercado aeronáutico não é fácil, e não imagino que vão desistir. O importante, do nosso lado, é continuar a tentar saídas para os problemas atuais. Estou convicto de que nossa empresa está fazendo isso. O que vai acontecer, creio que seja difícil prever. Mas, uma coisa é certa: não se pode, como se diz em linguagem popular, "jogar a toalha".

DCI: O que o senhor pensa sobre o futuro da fábrica da empresa na China, que hoje está parada pelo fim das entregas do ERJ-145?

OS: Como mencionei nas respostas anteriores, tenho poucas informações, mas tenho a certeza de que a Embraer trabalhará bem com as alternativas disponíveis. Nós, os brasileiros, somos sempre pessimistas nas previsões de dificuldades, quando acontecem com empresas ou interlocutores estrangeiros. Sempre pensam que vamos perder, mas estou convencido da competência da Embraer - aliás, demonstrada com clareza desde sua criação. Dificuldades existiram, e vão continuar a existir, mas precisamos ser mais confiantes. Esta entrevista é um exemplo. Mais perguntas foram pessimistas do que otimistas. Sugiro que deveríamos substituir isso por acreditar que os brasileiros não estão, nem estarão, sempre do lado perdedor nos conflitos ou confrontos com os estrangeiros, ou que devam sempre perder.

DCI: Todas as outras grandes fabricantes de aviões, como Boeing, Airbus, Dassault e Bombardier têm um braço no segmento espacial. A Embraer ainda reluta a ingressar neste segmento. Em sua opinião, não seria um mercado interessante para a Embraer?

OS: O setor espacial situa-se num segmento industrial e comercial caracterizado por alta capitalização e de vendas difíceis, uma vez que seus produtos são sempre muito caros. E o cenário da demanda tem demonstrado que praticamente todos os produtos sejam comprados por governos. Há anos sabemos que os governos não são compradores permanentes, ou contínuos. Numa interrupção de encomendas, os produtores têm dificuldades para sobreviver empresarialmente, sobrevivendo a longo período de ausência de encomendas. Assim, creio que a prudência da Embraer em relação ao mercado espacial tem sentido. Mas, como sabemos, a empresa não ficou parada e criou a Embraer Defesa como subsidiária integral. O mercado de produtos de defesa também é de demanda governamental, mas muito mais aberto do que o espacial, e com muito maior número de encomendas - portanto, menos inseguro.

Aviões, uma paixão desde a infância

O interesse por aviões existia desde criança, quando Ozires Silva ia ao aeroclube de sua cidade natal observar os aparelhos que decolavam e pousavam a todo instante. A carreira militar não foi exatamente uma opção, esteve mais para imposição de um momento. Ele nasceu em Bauru, oriundo de uma família muito humilde, no começo da década de 30, quando a cidade nem sequer tinha uma faculdade. Seguir a vida militar era o caminho natural que lhe permitiria estudar sem ter de pagar por isto. O coronel aviador, hoje na reserva, formou-se engenheiro de aviação pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), já sob patente, e ingressou na faculdade no limite máximo de idade então permitido: com 28 anos. - São José dos Campos abriu as possibilidades para Ozires. Na cidade, grupos de engenheiros aeronáuticos buscavam criar empresas para o setor, como a Aerotec e a Avibras. Como sempre disse, a Embraer, a qual presidiu de 1965 a 1986, nasceu num lance de sorte. O então presidente do Brasil rumava para a base de Guaratinguetá, onde o tempo impediu a aterrissagem da aeronave, e a solução foi esperar no aeroporto militar de São José.

Ele então tomou coragem e procurou o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, a quem pediu que construísse a fábrica de aviões, pois o projeto brasileiro, desenvolvido no então Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), estava em estágio avançado. Ele teria recebido o sinal positivo do presidente e o aporte necessário, já no governo de Costa e Silva, para inaugurar a Embraer. Em 1992, ele voltou a presidir a Embraer no período de transição, em que ela estava para ser privatizada e enfrentava uma severa crise. O primeiro jato regional da empresa, o EMB-145, nasceu de suas mãos.

A Embraer nasceu com dinheiro estatal, apesar de prever no decreto de sua criação a participação privada. Ozires e seu grupo começaram a procurar os investimentos necessários em contatos com a iniciativa privada, mas sem sucesso. Ele chegou a afirmar: "Se dependêssemos do setor privado, a Embraer não existiria."

A vida de Ozires Silva é repleta de curiosidades. Entre elas, uma é peculiar: além de criar a primeira fábrica aeronáutica estatal do Brasil, também participou do projeto de um carro de corrida da Fórmula 1. O Copersucar, de Emerson Fittipaldi, construído em grande parte dentro do CTA, contou com ajuda direta do "pai" da Embraer.

O primeiro e único carro de Fórmula 1 construído no Brasil surgiu após o piloto Émerson Fittipaldi procurar Ozires. O então bicampeão mundial de Fórmula 1 tinha o sonho de fabricar o carro totalmente nacional e projetar a indústria automobilística brasileira no cenário internacional. O Copersucar saiu do hangar e alcançou as pistas, numa carreira não tão bem-sucedida como a dos aviões da Embraer.


. A carreira militar não foi exatamente uma opção, esteve mais para imposição de um momento. Ele nasceu em Bauru, oriundo de uma família muito humilde, no começo da década de 30, quando a cidade nem sequer tinha uma faculdade. Seguir a vida militar era o caminho natural que lhe permitiria estudar sem ter de pagar por isto. O coronel aviador, hoje na reserva, formou-se engenheiro de aviação pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), já sob patente, e ingressou na faculdade no limite máximo de idade então permitido: com 28 anos. - São José dos Campos abriu as possibilidades para Ozires. Na cidade, grupos de engenheiros aeronáuticos buscavam criar empresas para o setor, como a Aerotec e a Avibras. Como sempre disse, a Embraer, a qual presidiu de 1965 a 1986, nasceu num lance de sorte. O então presidente do Brasil rumava para a base de Guaratinguetá, onde o tempo impediu a aterrissagem da aeronave, e a solução foi esperar no aeroporto militar de São José.

Ele então tomou coragem e procurou o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, a quem pediu que construísse a fábrica de aviões, pois o projeto brasileiro, desenvolvido no então Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), estava em estágio avançado. Ele teria recebido o sinal positivo do presidente e o aporte necessário, já no governo de Costa e Silva, para inaugurar a Embraer. Em 1992, ele voltou a presidir a Embraer no período de transição, em que ela estava para ser privatizada e enfrentava uma severa crise. O primeiro jato regional da empresa, o EMB-145, nasceu de suas mãos.

A Embraer nasceu com dinheiro estatal, apesar de prever no decreto de sua criação a participação privada. Ozires e seu grupo começaram a procurar os investimentos necessários em contatos com a iniciativa privada, mas sem sucesso. Ele chegou a afirmar: "Se dependêssemos do setor privado, a Embraer não existiria."

A vida de Ozires Silva é repleta de curiosidades. Entre elas, uma é peculiar: além de criar a primeira fábrica aeronáutica estatal do Brasil, também participou do projeto de um carro de corrida da Fórmula 1. O Copersucar, de Emerson Fittipaldi, construído em grande parte dentro do CTA, contou com ajuda direta do "pai" da Embraer.

O primeiro e único carro de Fórmula 1 construído no Brasil surgiu após o piloto Émerson Fittipaldi procurar Ozires. O então bicampeão mundial de Fórmula 1 tinha o sonho de fabricar o carro totalmente nacional e projetar a indústria automobilística brasileira no cenário internacional. O Copersucar saiu do hangar e alcançou as pistas, numa carreira não tão bem-sucedida como a dos aviões da Embraer.

Fonte: / NOTIMP








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