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Presidente da SBPC afirma que o país dificilmente terá maior desenvolvimento econômico e social sem investimentos na área de conhecimento.

Silvia Pacheco

Marco Antônio Raupp é um homem com uma missão: convencer a sociedade brasileira de que não há desenvolvimento sem apoio à área de ciência e tecnologia. Para sustentar sua tese, ele cita três áreas nas quais o país se destaca graças ao investimento na produção de conhecimento: a exploração do petróleo em águas profundas, dominada pela Petrobras; a indústria Aeronáutica, capitaneada pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer); e o agronegócio, que representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e foi viabilizado, em grande parte, pelas pesquisas iniciadas há cerca de 40 anos pela Embrapa em parceria com diversas universidades.

É por isso que o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) acredita que o país precisa criar condições para que o desenvolvimento tecnológico floresça no país. Na última quarta-feira, durante a abertura da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), em Brasília, ele e o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, entregaram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma proposta de medida provisória que busca facilitar licitações e contratos realizados com instituições científicas e agências de fomento no país. Pela proposta, as entidades serão autorizadas a efetuar suas compras e contratações com base em um regulamento próprio, e não mais pela Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, o que, na visão de Raupp, diminuiria muito a burocracia que atrasa o setor.

Na entrevista que concedeu ao Correio, o físico com doutorado em matemática pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, defendeu ainda uma maior distribuição do conhecimento no país, lembrou da importância dos estudos sobre a biodiversidade nacional — que podem representar um diferencial para os produtos brasileiros — e afirmou que, sem educação básica, a nação dificilmente será competitiva em um mercado globalizado. “Ter uma educação fundamental de qualidade talvez seja nosso maior desafio”, avalia.

Economia do conhecimento

“O processo de industrialização do Brasil se baseou na substituição de importações. A gente trazia fábricas para cá e produzia o que era consumido. A tecnologia vinha embutida. As empresas não competiam lá fora, porque elas tinham o mercado garantido. Esse modelo permitiu ao Brasil estabelecer uma base industrial importante. Hoje em dia, porém, a competição é global. Para se desenvolver, um país precisa mudar o seu processo produtivo, inovar nos seus produtos. As empresas que operam com produtos gerados pelo conhecimento ocupam mais de 50% do mercado. É a chamada economia do conhecimento. No mundo atual, sem ciência e tecnologia, é difícil imaginar o desenvolvimento da sociedade. Precisamos disseminar o conceito de elas são a base para o desenvolvimento econômico.”

Exemplos de sucesso

“Nos últimos 50 anos, o país investiu em um sistema universitário, acadêmico e científico. Foram criadas redes de universidades e agências governamentais. Vários problemas foram suplantados no Brasil com base na ciência. Entre eles destaco três. O primeiro é a busca de petróleo em águas profundas. A Petrobras e seus parceiros conseguiram, em articulação com o sistema universitário, gerar essa tecnologia. O segundo exemplo é a indústria Aeronáutica. A Embraer é uma empresa internacional e surgiu dentro de uma instituição de pesquisa, o Centro Tecnológico Aeroespacial. O terceiro exemplo de sucesso, o maior deles, é o agronegócio. O cerrado era um deserto, não tinha absolutamente agricultura nenhuma. A soja e o trigo eram produzidos no Rio Grande do Sul, no Paraná e em Santa Catarina. Hoje estão disseminados por todo o Centro-Oeste. Isso ocorreu também na pecuária. A Embrapa, com universidades, criou um sistema de apoio, a partir dos anos 1970, de desenvolvimento da ciência na agricultura tropical. Hoje é a empresa número 1 do setor no mundo. Muitos países a chamam para abrir filiais por conta de sua expertise. São poucos países que podem contar com uma agricultura que contribui com 30% do PIB e emprega 40% da população economicamente ativa. E a ciência está no âmago disso tudo.”

Educação

“A educação tecnológica deve ser incrementada. Temos de ampliar o sistema de educação superior, mas também investir significativamente na formação tecnológica, em pessoal com capacidade de transformar um conhecimento novo em um bem com valor agregado. Porém, o Brasil esbarra em um desafio fundamental: a educação básica de qualidade. A modernização da sociedade está associada à mão de obra qualificada, antenada e que entenda o processo. O Brasil, nos últimos anos, deu um passo à frente na questão da universalização: colocou todo mundo dentro da escola, independentemente da capacidade, da renda. Mas essas pessoas estão aprendendo? Não. Os professores estão preparados? Eles têm um perspectiva de carreira que os estimule? Não. A sociedade tem que se mobilizar. Não é a área científica. Isso é uma questão de cidadania. Os empresários estão interessados em mão de obra qualificada. Para isso, porém, são necessários cidadãos qualificados. É um encadeamento de coisas. Ter uma educação fundamental de qualidade talvez seja nosso maior desafio.”

Legislação

“A área de ciência e tecnologia como atividade organizada e permanente é nova, tem cerca de 50 anos. A nossa legislação central não contempla essa atividade. É atrasada. Noventa e seis por cento das pesquisas são feitas nas universidades públicas, e as empresas precisam se relacionar com elas. Mas como são empresas privadas, entra uma questão de relacionamento público-privado muito delicada. As leis que nós temos hoje regulam o contrato de compra e venda. Com o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa não é assim. Nessa área, é feito um convênio de parcerias. Precisamos de legislações que sejam apropriadas para essa natureza diferenciada, de um marco legal que torne as leis adequadas a essas atividades. E existe ainda a questão da importação de insumos utilizados em experimentos. Esse processo, às vezes, é demorado. Você importa um insumo e ele fica tanto tempo esperando a liberação que acaba se deteriorando, perdendo seu efeito. Outra questão que atrasa os avanços é o conservadorismo dos operadores desse sistema legal. Algumas vezes, para se preservarem e não correrem risco, eles agem de forma conservadora.”

Biodiversidade

“Outra questão legal envolve o acesso à biodiversidade. Não há diferença na legislação entre pesquisadores e empresas com objetivos comerciais que buscam o produto. As duas coisas se confundem. São tratados igualmente tanto os que coletam para conhecer a biodiversidade como quem quer usá-la. Isso tem de ser diferenciado. Estamos discutindo isso e já está melhorando, mas ainda é preciso avançar.”

Sustentabilidade

“A produção sustentável pode ser um qualificativo para os produtos brasileiros. Ninguém quer comprar mais carne de gado produzida em fazendas que desmatam florestas, por exemplo. Já há uma conscientização do lado empresarial, na agricultura, na pecuária e na indústria. Porém, para sermos mais produtivos e competitivos, temos de incorporar cada vez mais a ciência e a tecnologia, para termos essa postura de inovação e preocupação com a sustentabilidade. Isso é vital. Ciência e tecnologia não são somente atividades culturais da universidade ou de um setor da sociedade. Elas têm valores utilitários fundamentais para os setores preocupados com o processo de produção.”

Preservação

“Nós temos de saber como interagir com os recursos naturais para que eles não sejam destruídos. A saída é o conhecimento sobre um sistema complexo. Saber como se desenvolvem os processos na biodiversidade, no sistema de água, no sistema atmosférico etc. Os investimentos na pesquisa devem ser tanto na área de sustentabilidade ambiental quanto em uma área que ficou para trás, a tecnologia industrial, na qual essa questão é vital para o Brasil ter a mesma capacidade nesse setor que tem na agricultura.”

Migração de talentos

“Não há dados oficiais sobre essa migração. Sabemos que ela existe em maior ou menor grau. À medida que se incrementam as atividades no país, essa migração diminui. Existem momentos de altos e baixos, mas eu não acredito que isso seja uma tendência. Nesse momento, por exemplo, estamos tendo uma ênfase de investimentos bastante razoáveis nas instituições de C&T e nas universidades. O programa de expansão das universidades públicas federais está contratando mais de 4 mil professores. Hoje, estamos vendo pesquisadores que operavam fora voltando ao Brasil, desenvolvendo seu trabalho e criando novos centros de pesquisa, como o Instituto de Neurociência, em Natal.”

Ciência como profissão

“Ao passo que a ciência ganha prestígio social e avança na participação do desenvolvimento, as perspectivas de carreira, salário e condições de trabalho melhoram. Há momentos em que isso é mais intenso, outros menos. É isso que precisamos eliminar. Esse estado de organização e de possibilidades será altamente beneficiado se tivermos políticas permanentes, independentes de governos, para que as pessoas não se decepcionem. É possível implementar isso, porque já existe um ambiente favorável. Temos programas importantes como os dos institutos estaduais (financiados em parte pelo governo federal). Temos também apoio de setores econômicos especiais, como a Embrapa e a Petrobras.”

Descentralização

“O desenvolvimento do país foi feito de forma diferenciada. O processo industrial ocorreu mais no Sul e no Sudeste. Por isso, é natural que mais de 60% das pesquisas se concentrem nesses estados. Porém, há uma necessidade de distribuição desse conhecimento. A Amazônia, por exemplo, é 60% do território nacional. Não se pode pensar em desenvolvimento sem incluí-la, sem conhecê-la e sem resolver seus problemas de sustentabilidade. Então é fundamental haver ciência lá. Há estímulos para a migração de cientistas para a região. Associações de políticas estaduais e federais dão um acréscimo nas bolsas para estudos na Amazônia para criar estruturas de pesquisa na região que consigam, também, cooperar com pesquisas fora do país. Mesmo com todos esses estímulos, ainda há muito a ser feito. O país é enorme, suas responsabilidades são grandes e os desafios também, mas já demonstramos que temos musculatura para nos desenvolver tecnologicamente.”

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE, via NOTIMP




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