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Radiação cósmica preocupa cientistas





Radiação cósmica preocupa cientistas

Virgínia Silveira

Cientistas preocupados com os efeitos da radiação cósmica podem parecer coisa de filme de ficção científica, mas o problema é real e tem atraído uma atenção cada vez maior de especialistas brasileiros. Eles querem saber mais especificamente quais são os efeitos destrutivos que a radiação cósmica, proveniente do espaço, pode provocar nos componentes eletrônicos instalados nos satélites e aeronaves que operam no território brasileiro. A preocupação é decorrente do fato de que ainda não foi possível quantificar a intensidade dessa radiação e definir os meios para minimizar as consequências desses fenômenos na segurança dos equipamentos e das tripulações à bordo das aeronaves.

Segundo os cientistas, o fato de o Brasil estar situado bem no centro da região de influência de um fenômeno conhecido como Anomalia Magnética do Atlântico Sul (Amas), reforça a necessidade urgente desses estudos. Na região, as linhas do campo magnético estão mais fracas, permitindo que raios cósmicos e partículas carregadas penetrem mais profundamente na atmosfera terrestre.

"O campo magnético da Terra desvia as partículas de alta energia que vêm do espaço e serve como escudo de proteção. Na região da Amas, as linhas do campo magnético se aproximam mais da superfície da Terra e, dessa forma, os raios cósmicos atingem de forma mais intensa a atmosfera", diz Odair Lelis Gonçales, pesquisador da divisão de física aplicada do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), órgão de pesquisa do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).

Com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Gonçales lidera, desde o ano passado, uma iniciativa de pesquisa inédita no Brasil, sobre os efeitos da irradiação de componentes eletrônicos e fotônicos de uso aeroespacial (Peice). O projeto conta com a colaboração de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

"Os efeitos da radiação devem ser conhecidos para que medidas corretivas possam ser consideradas durante a fase de projeto dos equipamentos, que deverão operar por tempo prolongado em um ambiente sujeito à radiação permanente", ressalta Gonçales. Tais informações, segundo o pesquisador, têm caráter estratégico já que, na maioria das vezes, não estão disponíveis na literatura ou no mercado.

"A participação efetiva do Brasil no mercado internacional de produtos aeronáuticos e espaciais de alta tecnologia está diretamente relacionada com sua capacitação para desenvolver e qualificar novos materiais e produtos, que operem de forma segura no espaço e em grandes altitudes de voo". O projeto Peice, de acordo com o pesquisador, também tem o objetivo de formar e consolidar a capacitação do Laboratório de Radiação Ionizante (LRI), do IEAv, na execução de testes que avaliam a tolerância dos componentes à radiação.

Para avaliar os efeitos dessa radiação nas tripulações de aviões e nos equipamentos aviônicos de aeronaves comerciais, o IEAv está propondo ao Fundo Aeronáutico o projeto dosimetria da radiação ionizante no espaço aéreo brasileiro. A iniciativa, segundo Gonçales, já despertou o interesse do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), do Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD), além da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Embraer.

Um acelerador de elétrons de alta potência já começou a ser instalado no IEAv. A expectativa do pesquisador é de que até o fim do ano o equipamento comece a ser utilizado. Gonçales explica que um acelerador de elétrons dessa categoria custa em torno de US$ 2 milhões. O equipamento vai gerar elétrons acelerados com energia de 23 megavolts, condição que simula a radiação no espaço. Ele vai complementar os testes de ionização total, que já estão sendo feitos com bomba de cobalto.

Algumas empresas precisam recorrer ao mercado externo para fazer esse tipo de teste, pagando muito caro por isso. Segundo Gonçales, o preço pode chegar a US$ 500 por componente, no caso de um teste de ionização total feito no acelerador de elétrons, até US$ 2 mil por componente em um teste para avaliar o efeito instantâneo que ocorre quando as partículas ionizantes atravessam uma região sensível do componente eletrônico, causando um sinal espúrio ou até mesmo uma falha completa no sistema.

O pesquisador ressalta que o interesse estratégico do Brasil em desenvolver componentes espaciais críticos resistentes à radiação é motivado, também, pelos constantes embargos internacionais que tornam mais difícil a algumas empresas, especialmente as que participam do programa de desenvolvimento de satélites brasileiros, adquirir componentes eletrônicos no mercado externo. "O país tem registrado inúmeros casos de embargo no programa do satélite CBERS, feito em parceria com a China", afirma Gonçales.

Para Embraer, informações são raras

A Embraer considera estratégico para o Brasil o estudo sobre os efeitos da radiação cósmica em satélites e aviões. Técnicos da companhia dizem acreditar que, com levantamentos desse tipo, o país terá condições de reduzir sua dependência de informações que os pesquisadores de outros países desenvolvem, mas só divulgam de acordo com seus próprios interesses.

"Hoje dependemos de informações advindas de poucos laboratórios no exterior para pesquisas sobre esse tipo de fenômeno. Existem estudos que demonstram que a exposição à radiação cresce com a altitude. No entanto, não existem regulamentos emitidos pelas autoridades aeronáuticas a respeito desse tipo de incidência, identificado pelos especialistas como "single event effect" [evento de efeito único)", comunicou a empresa.

Segundo a Embraer, o universo de interessados em conhecer os possíveis mecanismos de interferência e os tipos de proteção que poderiam ser desenvolvidos vêm aumentando nos últimos anos, especialmente em função do uso crescente de componentes eletrônicos mais compactos e que operam progressivamente com menor consumo de energia.

"A miniaturização de componentes, apesar dos significativos avanços tecnológicos, implica, por outro lado, no aumento de suscetibilidade a danos provocados pela incidência da radiação cósmica", ressalta Odair Lelis Gonçales, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEAv).

Os componentes eletrônicos usados em aeronaves da Embraer, de acordo com a empresa, passam por testes de pesquisa no exterior e são fabricados pelos próprios fornecedores de sistemas aviônicos das aeronaves comerciais fabricadas pela companhia.

As pesquisas nessa área, segundo a Embraer, ainda se encontram no estágio inicial de estudos e coleta de dados, uma vez que o assunto ainda não foi normatizado pelas autoridades. A título de prevenção, no entanto, a Embraer explica que alguns sistemas presentes em seus aviões já incorporam preventivamente rotinas de proteção contra radiações cósmicas no software operacional.

No caso de um satélite, segundo estudo feito pela Inmarsat, operadora de comunicações móveis via satélite com cobertura global, a exposição à radiação cósmica depende de sua órbita. "Em órbitas geoestacionárias, onde estão os satélites da rede Inmarsat, existe mais proteção contra partículas solares, mas quando a atividade solar é alta, a extensão do campo magnético da Terra pode ser significativamente reduzida, resultando em maior exposição às partículas de radiação", explica a empresa.

Os satélites, de acordo com a operadora, normalmente possuem sistemas de bordo redundantes que garantem a continuidade das suas operações. O próximo satélite da Inmarsat, o Alphasat, que tem lançamento previsto para o ano de 2012, terá uma carga experimental para monitorar a composição do espectro de energia das partículas na órbita geoestacionária. "Esperamos que as informações desse experimento possam levar a uma melhor compreensão dos riscos a que os satélites são submetidos, permitindo que precauções sejam tomadas", informou a companhia.

Fonte: VALOR ECONÔMICO, via NOTIMP




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