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Artigo - APLs e Indústrias de petróleo, gás e naval



Artigo - APLs e Indústrias de petróleo, gás e naval ...

Jefferson José da Conceição e Flávia Beltran ...

O Brasil haverá de superar a crise atual e voltar à trilha do crescimento econômico, cujo último ciclo expansivo aconteceu entre 2004 e 2012. Um dos itens da nova agenda de crescimento certamente será a retomada dos investimentos em duas grandes cadeias produtivas: a de petróleo e gás (com a necessária superação do instável momento vivido pela Petrobrás) e a da indústria de materiais de defesa.

Antes da crise atual vivida no setor de petróleo e gás, a Petrobrás previa duplicar a produção até 2020, para 5 milhões de barris de petróleo por dia. Os investimentos entre 2014 e 2018 apontavam para valores superiores a US$ 221 bilhões. A mobilização para o pré-sal e para a cadeia de suprimentos representaria demanda de 38 plataformas de produção, 28 sondas de perfuração, 88 navios-tanque e navios de produtos e mais de 140 barcos de apoio. Entre 2013 e 2020, as encomendas projetadas para a indústria naval brasileira alcançavam US$ 100 bilhões, sendo que o conteúdo nacional médio seria de 65%. Estes números (ver fonte ao final do artigo) certamente serão revistos e sofrerão ajustes. Ainda assim, é de se esperar que, quando da retomada da economia brasileira, esses valores – mesmo que em novos patamares – continuarão representando grandes volumes e oportunidades.

Como exposto a seguir, o modelo de Arranjos Produtivos Locais (APLs) constituído nos últimos anos na Região do ABC, em particular a experiência vivenciada entre 2011 e 2015 a partir de São Bernardo do Campo, certamente serve como referência para o aprofundamento dos APLs das Indústrias de Petróleo, Gas e Naval já existentes no País, bem como para o surgimento de novos. Estes APLs podem e devem exercer importante papel nesta retomada que se avizinha. 

Por sua vez, os APLs da Região do ABC poderão intensificar suas relações com a cadeia de petróleo e gás, bem como com indústria naval de defesa. Neste caso, cabe chamar a atenção para o importante entrelaçamento entre a cadeia de petróleo e gás e a cadeia da indústria de defesa. A ligação entre estas cadeias é importante para a Região do ABC tendo em vista o diálogo já aberto com a Marinha do Brasil (e também com o Exército e a Aeronáutica) e seus esforços de adensamento da Base Industrial de Defesa do País. 

Na Região do ABC, a Refinaria de Capuava e o Polo Petroquímico da Braskem estão entre as atividades com alto grau de integração com a cadeia de petróleo, gás e naval. No entanto, as possibilidades de conexão do parque produtivo do ABC com esta cadeia produtiva vão além. Destacam-se ainda as seguintes fabricações hoje presentes na região: máquinas e equipamentos (bem como a reparação e instalação de máquinas e equipamentos); máquinas, aparelhos e materiais elétricos; equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos; produtos químicos; produtos de plástico e de borracha; metalurgia; transporte terrestre de carga; equipamentos de transporte. É de se considerar ainda as expressivas fabricações de móveis, produtos de alimentação, têxteis/confecções e produtos gráficos, presentes na Região do ABC. O parque produtivo do ABC é potencializado ainda pela localização estratégica (entre o Porto de Santos/Baixada Santista e a capital paulista), recursos humanos qualificados, expertise empresarial e excelência das instituições de ensino e pesquisa.

Somado a isto, é relevante destacar também que, a partir de 29 de janeiro de 2016, a Região do ABC passou a sediar, em São Bernardo do Campo, o 1º Centro de Excelência em Sonares da América Latina. Trata-se de investimento privado da empresa Omnisys (fabricante de radares) em projeto de interesse nacional, que conta com a parceria da Marinha do Brasil e o apoio da Prefeitura da cidade. O projeto insere-se na estratégia nacional de proteger a costa brasileira e de o País ter condições de, no futuro, produzir seus próprios submarinos, o que exige domínio tecnológico avançado.

Vale lembrar que a potencialidade da Região do ABC em ampliar sua participação no fornecimento de produtos e serviços à cadeia de petróleo, gás e naval foi tratada no livro “O ABC do Petróleo e Gás”, lançado em 2014 pela Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. O livro, que está disponível no site da Agência, é coletânea organizada por Roberto Vital Anau. Entre os vários textos da obra, está o escrito pelo coautor deste artigo em parceria com o organizador: “Grande potencial e desafios a vencer: o adensamento da cadeia de petróleo e gás no ABC”.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  
A experiência dos APLs do ABC
A experiência do ABC Paulista na área dos APLs, no contexto da estratégia de territorialização do desenvolvimento da cidade de São Bernardo do Campo e Região, foi bastante rica e densa. Esta experiência pôde ser detalhada no livro “A Cidade Desenvolvimentista: crescimento e diálogo social em São Bernardo do Campo, 2009-2015”, lançado pela Editora da Fundação Perseu Abramo, ao final de 2015. Nesta obra (disponível gratuitamente no site da editora), o coautor deste artigo, em parceria com mais três autores, pôde abordar o conjunto de projetos desenvolvidos na Gestão do Prefeito Luiz Marinho, entre eles o conceito e o histórico dos 11 Arranjos Produtivos Locais que organizaram a agenda de desenvolvimento regional no período. Como exposto na referida obra:

“Arranjo Produtivo Local [APl] representa a aproximação e o diálogo entre empresas e instituições vinculadas à cadeia produtiva de um mesmo território para uma ação coordenada, visando o crescimento da produção e da competitividade. O APL contribui para levantar problemas comuns às empresas e para elaborar e executar políticas (públicas e privadas) que promovam, de modo duradouro, o fomento da atividade produtiva no território. (...) O formato segue o modelo internacionalmente conhecido como ‘tríplice hélice’ (setor produtivo, universidades e gestão pública) (...). Em todos os APLs, busca-se produzir diagnósticos dos problemas, elaborar e executar propostas de soluções e gerar articulações diversas. O esforço resulta na formulação e execução de uma política setorial com resultados para cada segmento em questão e região como um todo”.

Foram constituídos os seguintes APLs industriais no ABC entre 2011 e 2015: indústria de defesa; ferramentaria; autopeças; químico; móveis; panificação; gráficas; têxteis e confecções. No segmento de serviços, foram estruturados os APLs: Design, audiovisual e economia criativa; restaurantes, bares e afins; turismo; pesqueiros.

Tem sido grande o interesse nesta experiência do ABC em APLs, especialmente no que concerne à sua capacidade de governança e de articulação de atores e instituições relevantes que compõem as cadeias produtivas, com vistas à realização de processos cooperativos. Alguns exemplos ilustram isso: os convites da Escola Superior de Guerra para que pudéssemos expor sobre conteúdo do APL da Indústria de Defesa do Grande ABC; a participação do projeto de APLs do ABC como concorrente à premiação do SEBRAE em iniciativas inovadoras; o convite para que o coautor deste artigo participe em julho próximo de Banca de Avaliação de Tese de Mestrado sobre a experiência do APL de Santa Maria (Rio Grande do Sul), entre outras manifestações de interesse.

Os APLs das Indústrias de Petróleo, Gás e Naval
Em artigo de 2015, publicado pelo BNDES, João Luis Rossi, Paulo Sérgio Rodrigues Alonso e Pedro Penido Duarte Guimarães assim escreveram sobre a importância de APLs no segmento naval:

“As descobertas de enormes acúmulos de petróleo e gás na camada pré-sal permitem formular um novo modelo de desenvolvimento no Brasil. A Petrobras mantém seu papel de destaque, com investimentos portadores de demandas de materiais, máquinas, equipamentos e serviços especializados, que poderão ser produzidos e fornecidos pelas empresas nacionais, aumentando a geração da renda interna por meio do adensamento da cadeia produtiva e reduzindo o grau de dependência internacional. 

A abordagem de arranjos produtivos locais (APLs) associa iniciativas já tradicionais de desenvolvimento de fornecedores a um olhar específico sobre o desenvolvimento do território. Pelo enfoque sistêmico, é possível articular as diferentes dimensões econômica, social, cultural, ambiental e político-institucional de cada território, mobilizando atores públicos e privados para desenhar novos modelos de articulação e desenvolvimento, a fim de implementar ações e instrumentos voltados ao adensamento do espaço produtivo e ao enraizamento das atividades produtivas nos territórios”. 

Os autores chamam a atenção para as experiências internacionais bem-sucedidas na cadeia de produção de petróleo e gás, como são os casos de Reino Unido e da Noruega. Alertam que estas experiências mostram alguns pontos de convergência entre si: o papel indutor do poder público; o incentivo às empresas ancoras; o apoio à inovação por intermédio da forte aproximação entre indústria e universidades; o incentivo ao conteúdo local; o fortalecimento de grandes grupos econômicos locais; o incentivo à concentração geográfica, na forma de APLs e clusters.

O trabalho mostra ainda que vários benefícios podem ser atingidos quando se implementam APLs: incremento da produtividade e competitividade; inovação tecnológica; incremento do conteúdo local; ampliação e modernização do parque produtivo; territorialização de riquezas geradas; expansão do emprego e renda.

Na estratégia anterior desenvolvida pela Petrobrás, cinco territórios seriam, segundo o mesmo estudo, precursores para a constituição de APLs de petróleo, gás e naval: Rio Grande e entorno (RS), Ipatinga e em torno (MG), Ipojuca e entorno (PE), Itaboraí e entorno (RJ) e Maragogipe e entorno (BA). 

Neste sentido, entre estes territórios, chama-nos a atenção o caso de Ipatinga e em torno, conhecido como “Vale do Aço”, por sua relativa semelhança com a Região do Grande ABC, guardadas as devidas proporções. Esta semelhança, a nosso ver, se deve à existência de um polo metal-mecânico expressivo (no caso da região mineira, mais focado no atendimento às ancoras Usiminas e Aperam, ex-Acesita) – polo este que, atualmente, busca maior diversificação da sua produção.

A abordagem acima exposta é similar à proposta pelo Vice-Almirante Edesio Teixeira Lima Junior, atual Assessor Especial do Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e ex-Diretor de Abastecimento e Comandante da Base de Abastecimento da Marinha no RJ. Em documento elaborado para o Forum Empresarial de Defesa e Segurança da Firjan, intitulado “Ações a empreender”, o autor afirma:

“Nos últimos anos, o planejamento governamental, tendo como pano de fundo a prospecção e exploração offshore de petróleo, fez renascer a relevância da “Indústria Marítima” (todos os segmentos de negócio relacionados ao mar) para o país, na qual a construção e a reparação naval, tanto no segmento mercante como no de defesa, representam importantes atividades industriais sob o conceito de indústria-chave de um determinado setor.

A moderna concepção de modelo para o desenvolvimento do setor marítimo deve descartar o intervencionismo estatal e ressaltar a parceria, com ênfase na capacidade de auto-organização do capital privado (este é que deverá promover a mobilização e a coordenação dos esforços dos diversos segmentos produtivos envolvidos), cabendo ao Governo colaborar nessa mobilização e apoiar esses esforços com políticas (industrial, tecnológica, comercial, fiscal e creditícia) e investimentos públicos que maximizem os impactos sobre o próprio setor marítimo e sobre os demais setores que compõem a estrutura produtiva do país (o novo marco regulatório para a indústria de defesa e os investimentos previstos no Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa – PAED, são exemplos práticos da tentativa do governo cumprir suas responsabilidades (...)

A abordagem proposta para o setor marítimo - onde a indústria naval de defesa se insere - é a da formação de Arranjos Produtivos Locais (APLs) de atividades econômicas, como estratégia de desenvolvimento industrial focalizado em espaços geográficos”.

De fato, os APLs de petróleo, gás e Naval – como o do RJ, Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Amazonas -, assim como os APLs da Indústria de Defesa (entre eles, o APL do Grande ABC, o APL de Santa Maria no RS e o APL de Minas Gerais), podem contribuir, sobretudo, na potencialização da ferramenta do planejamento e de processos cooperativos que envolvam governos (federal, estadual e municipal), empresários, sindicatos de trabalhadores e instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, entre outras.

A agenda de trabalho certamente aprofundará itens essenciais para a competitividade da cadeia produtiva de petróleo, gás e naval e dos respectivos territórios produtores. Entre esses itens certamente está a nacionalização de componentes, capacitação de mão-de-obra, fortalecimento de fornecedores, Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), financiamento, parcerias nacionais e internacionais, compras públicas e novos mercados.
No caso do APL Naval do Rio Janeiro, uma das prioridades é promover uma estratégia que envolva a discussão da construção, reparação e manutenção de novos navios (estaleiros civis e militares; bases navais; centros de reparo especializados); operações logísticas; fabricação de armas e munições; embarcações miúdas (operativas e de apoio); insumos básicos; ciência, tecnologia e inovação; serviços marítimos e portuários.

Uma das ações do APL em andamento neste momento -  informa-nos a equipe que assessora o Vice-Almirante Edesio Teixeira Lima Junior -  constitui-se na assim denominada "Iniciativa Rosetta", fruto das medidas propostas Comitê Naval de Defesa “Almirante Armando Amorim Ferreira Vidigal”. Esta iniciativa consiste na reunião de empresas com atuação na indústria de defesa em um cadastro único, cujo objetivo final é a Mobilização e Compras. A finalidade é incrementar o cadastramento de empresas vinculadas à indústria naval de defesa e a catalogação dos respectivos produtos no sistema OTAN.


Jefferson José da Conceição é Prof. Dr. da USCS e Atual Diretor da Adesampa. Foi Secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo do Campo entre janeiro de 2009 e julho de 2015. Constituiu e dirigiu o APL de Defesa do Grande ABC no período.

Flávia Beltran é funcionária da Prefeitura de São Bernardo do Campo. Foi Coordenadora Técnica do APL de Defesa do Grande ABC até julho de 2015. flaviabeltran@hotmail.com

Os números do segundo parágrafo deste artigo foram extraídos do texto “Oportunidades e desafios do desenvolvimento de APLs e territórios no setor de petróleo, gás e naval”, de João Luis Rossi, Paulo Sérgio Rodrigues Alonso e Pedro Penido Duarte Guimarães. BNDES, 2015

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