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Pará: Presidente do Aeroclube aponta pífia fiscalização

O ano não começou bem para a aviação civil no Estado. Em dois meses, sete acidentes foram registrados pelo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa). É quase o número total de ocorrências registradas durante todo o ano de 2010 no Estado - nove no total, de acordo com levantamento da Aeronáutica.

Os quatro acidentes mais recentes, ocorridos apenas no mês passado, ocasionaram a morte de sete pessoas e acabou sacudindo o setor da aviação paraense, que passou a receber as últimas notícias com apreensão.


Durante toda a semana, o presidente do Aeroclube do Pará, Paulo Rodrigues, foi um dos mais críticos. Ele não poupou a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e foi taxativo nos questionamentos contra a autarquia que tem a responsabilidade de regular e fiscalizar a aviação civil brasileira. Para Rodrigues, que exerce o segundo mandato na presidência do Aeroclube, falta fiscalização nos aeroportos e oficinas. Ele afirma que a instituição mantém um pequeno efetivo, que seria responsável por atender três Estados da região amazônica. Durante a semana, a Anac chegou a contestar os dados e informou que há 12 servidores lotados em Belém para exercer serviços de fiscalização.

O DIÁRIO convidou Paulo Rodrigues para uma conversa franca sobre a ‘crise’ pela qual passa o setor. Na sede do Aeroclube do Pará, o presidente recebeu os repórteres Carlos Mendes e Edmê Gomes, e voltou a criticar a Anac. Você confere agora a íntegra dessa conversa:

P: Diante dos últimos acontecimentos envolvendo a aviação civil no Pará, o senhor tomou a frente para reclamar da postura da Anac, especialmente no que toca a redução que teria ocorrido no quadro pessoal do Posto de Atendimento em Belém...

R: Tomei essa posição porque estou à frente do Aeroclube e precisamos de respostas. Hoje a Anac tem um posto de serviço local que dispõe de apenas dois funcionários para atender três Estados - Pará, Maranhão e Amapá. Não critico a capacidade desses profissionais. Simplesmente analiso a dimensão desses Estados juntos, o número de pilotos e de mecânicos. São dois funcionários para uma faixa de 300 aeronaves, apenas em Belém. Isso é inadmissível.

P: Toda essa demanda é de responsabilidade da Anac?

R: Isso. Cabe à Anac fiscalizar táxis aéreos, oficinas mecânicas, pilotos e mecânicos. Todos precisam ser homologados. Aí você pensa, em todo esse contingente que abrange esses três Estados para apenas dois funcionários. É humanamente impossível. O que a gente precisa aqui, com urgência, é que a Anac tome uma providência em relação a concurso público, para que haja uma presença mais efetiva de fiscalização na região Norte. Na Amazônia, nós somos totalmente dependentes da aviação civil.

P: O Aeroclube do Pará chegou a solicitar da Anac uma resposta em relação a essa possível baixa no escritório local?

R:
Nós tivemos um problema há dois anos, com o fechamento dos postos de serviço da Anac em mais de 20 cidades do Brasil [em 22 capitais, inclusive Belém, Boa Vista, Macapá, Manaus e Porto Velho]. Devido a necessidade de controle da Amazônia em relação à aviação civil, nós fomos imediatamente contra e conseguimos revogar a portaria que cancelava os serviços nessas cidades e o posto voltou a Belém. Mas com essa deficiência, apenas dois funcionários. Uma redução drástica e dramática.

P: O senhor acredita que essa sucessão de acidentes no Estado pode ser atribuída a essa possível deficiência no quadro de pessoal da Anac?

R:
Eu não diria que está atribuído, mas acredito que pode estar contribuindo. Sem fiscalização há um relaxamento. Infelizmente, em qualquer lugar é assim. Por isso a gente cobra a fiscalização que hoje não está sendo feita como deveria.

P: Fica implícita uma situação preocupante. Estaria havendo, direta ou indiretamente, conivência com o sacrifício de vidas humanas?

R:
Não. Impossível chegar a esse ponto. A prioridade da aviação civil é a segurança de voo. O avião é o meio de transporte mais seguro do mundo, mas depende de uma pessoa por trás tratando dessa segurança. Se não houver esse alguém, fiscalizando peças, checando se o piloto está com a documentação em dia, se o CCF [Certificado de Condicionamento Físico] está em ordem e o mecânico também, a segurança fica comprometida. Aviação é coisa séria, não se deve brincar, porque se paga com a vida. Não acredito em conivência, mas acho que há um certo relaxamento.

P: Que tipo de profissional é necessário para a execução desse serviço de monitoramento na Amazônia?

R:
O funcionário que a gente precisa aqui tem de ser da área de aeronavegabilidade. Um profissional que fiscalize de fato o avião, o piloto e as oficinas. A nossa briga foi para manter o posto. Conseguimos. Ele está aqui, funciona bem ao nosso lado [na avenida Senador Lemos]. Não deixamos de ter a fiscalização da Anac na Amazônia, mas a ela está altamente deficiente. A realidade da coisa é que colocam uma dezena de estagiários, que não têm autonomia para fiscalizar, e apenas dois funcionários que, é óbvio, não dão conta de todo o monitoramento.

P: Na prática, como tem sido realizada a fiscalização da Anac no Estado?

R:
Eu não saberia explicar o íntimo dessa fiscalização, mas creio que a Anac estabeleceu um critério para que esses dois funcionários possam atender. O que posso assegurar é que carência na prestação desse serviço público. Hoje, nós encontramos dificuldade até para conseguir regularizar uma documentação. Agora eles adotaram um programa online e tudo que a gente precisa fazer tem de ser através da internet. Documentos de aeronave, pilotos e mecânicos, tudo é online. Eles checam tudo e depois vêm só fazer o teste, o exame...


P: Mas uma fiscalização não pode ser online....

R:
Essa é a pergunta que a gente se faz. Uma fiscalização pode ser online? A manutenção de uma aeronave pode ser online? Outro questionamento que a gente se faz diz respeito à inspeção das oficinas mecânicas, que são fundamentais nas manutenções das aeronaves. Não estamos ligados diretamente a elas, mas nos preocupamos. Alguém precisa nos responder em que pé está a fiscalização em cima das oficinas homologadas mecânicas, para que a gente tenha chegado a esse índice de acidentes, quatro em um único mês.

P: Haveria um relaxamento também nessas empresas?

R:
Eu acredito que os profissionais da aviação civil são bem conscientes em relação à segurança de voo. Não acho que estejam sendo negligentes. Mas, repito, precisa haver fiscalização rigorosa. Em todo lugar a gente precisa ser fiscalizado.

P: Com a experiência que o senhor tem à frente do Aeroclube do Pará, que balanço faz sobre o exercício da profissão na região...

R:
Voar na Amazônia exige muito do piloto. Sem dúvida, os nossos profissionais são os melhores do mundo porque conseguem driblar muitas adversidades. Isso já repercutiu na imprensa. É avenida principal servindo como pista de pouso e decolagem. São galhos de árvores fazendo as vezes de sinalizadores. Vamos utilizar o exemplo de uma pessoa que tenha ficado doente no interior e precisa ser trazido às pressas para a capital. Alguém liga de lá pedindo socorro, o piloto sai daqui e quando chega, muitas vezes é a polícia que sai tirando cachorro, boi, vaca da pista. Em outros casos, acende-se o farol do carro na cabeceira da pista para iluminar. Essa é nossa realidade. Muitos acidentes não são registrados, mas de vez em quando corre o comentário: “avião bateu com a ponta da asa na cabeça de uma vaca”. São essas coisas que nos deixam preocupados. Em 2012, com tanta tecnologia à disposição, é triste que esse tipo de coisa ainda aconteça.

P: Os últimos acontecimentos deixaram a sociedade assustada. Em apenas dois meses o Estado registrou sete acidentes. Nesse momento, com a perda de amigos de profissão, que avaliação o senhor faz do sentimento entre os profissionais da aviação civil?

R:
Entre os pilotos o clima é de perda. Tantos acidentes abalam o psicológico de qualquer um, mesmo dos que ainda estão em fase de treinamento. Até os familiares estão amedrontados, preocupam-se com as condições em que seus parentes vão voar. Para a gente é muito triste. Pessoalmente, eu fiquei abalado porque eram realmente amigos, convivíamos há anos. Eram pilotos muito experientes, são sete mil horas de voo perdidos. Claro que o Seripa está investigando as causas do acidente [a queda do avião que matou o deputado Alessandro Novelino, há uma semana], mas acho muito difícil que tenha sido motivado por erro humano. Não que eles não possam ter errado, mas com a experiência e habilidade que tinham, acho pouco provável. O que a gente aguarda é que essa situação mude. O Aeroclube é uma instituição séria. São 74 anos de tradição em formação e qualificação de profissionais. Assim como a população, nós buscamos respostas para tantos acidentes.

Fonte: Diário do Pará / NOTIMP









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