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Especial: Violência ressurge nas feridas da ditadura

Representantes de movimentos sociais e militares da reserva entram em confronto no Rio, dois dias antes de o golpe de 1964 completar 48 anos. Os dois lados demonstram insatisfação com a demora na instalação da Comissão da Verdade .

JÚNIA GAMA .

Na antevéspera dos 48 anos do golpe de 1964, uma comemoração de militares da reserva acabou em tumulto ontem à tarde, no centro do Rio de Janeiro. Cerca de 300 representantes de movimentos sociais e de partidos políticos como o PSol e o PCdoB, além de familiares de vítimas da ditadura, bloquearam a entrada principal do Clube Militar, na Cinelândia, e tentaram impedir a entrada e saída dos oficiais da reserva. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, referindo-se aos militares como "torturadores" e "assassinos". Houve confronto físico e um jovem, que tentou agredir um dos oficiais reformados, acabou preso. Depois de prestar depoimento, acabou liberado.

Segundo informações da PM, os manifestantes espalharam tinta vermelha na escadaria principal do Clube Militar, para representar "o sangue derramado durante a ditadura". Os jovens portavam cartazes com dizeres como "Ditadura não é revolução" e "Onde estão nossos mortos e desaparecidos do Araguaia?", além de fotografias de pessoas que sumiram durante o regime. A tropa de choque da Polícia Militar teve que usar bombas de efeito moral e spray de pimenta para dispersar os participantes e formou um cordão de isolamento entre o clube e uma estação de metrô próxima ao local para viabilizar a saída dos militares.

O clima de apreensão contaminou o ambiente, onde o evento 1964 – A Verdade estava sendo realizado entre as 15h e as 17h de ontem. Após a cerimônia, funcionários da entidade ainda hesitavam em deixar o local com medo de novos confrontos. "É uma coisa terrível, os funcionários não têm nada a ver com isso. Estamos com medo de descer para voltar para casa", disse uma das empregadas.

O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, um dos três palestrantes do evento, que tornou-se uma espécie de porta-voz das insatisfações da caserna com a Comissão da Verdade, relatou ao Correio que, apesar do tumulto no exterior do prédio do Clube Militar, o evento foi executado conforme previsto. "Ficamos aborrecidos porque os manifestantes ficaram ofendendo quem entrava e saía do clube, mas conseguimos fazer todas as palestras e discussões", afirma.

O tom do encontro, segundo militares presentes, foi de incentivo às manifestações da reserva sobre "temas políticos". Mais comemorações da data estão previstas para amanhã, data do golpe de 1964, com missas e palestras em Brasília, Belo Horizonte e outras capitais.

"Apologia ao crime"


O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP), que apresentou na semana passada requerimento de informação sobre a demora na instalação da comissão, protestou contra a celebração dos militares. "Isso é apologia ao crime, um atentado contra o estado de direito. Comemorar um golpe que quebrou a ordem democrática, impôs ao Brasil 20 anos de terror e tortura, equivale a celebrar, na Alemanha, o aniversário de Hitler", comparou.

O Ministério da Defesa monitorou os fatos ocorridos no Rio com apreensão, mas preferiu não pronunciar-se oficialmente. Internamente, há uma avaliação de que o confronto acirra ainda mais os ânimos, exaltados desde que a reserva reagiu à declarações da ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, de que a Comissão da Verdade poderia resultar em condenações daqueles que tenham cometido crimes durante a ditadura.

A maior preocupação da pasta, no entanto, é evitar manifestações de oficiais da ativa. No ano passado, uma "operação abafa" abortou de última hora uma palestra que seria dada pelo general Augusto Heleno, a poucos dias de ir para a reserva, intitulada A Revolução que salvou o Brasil. A presidente Dilma Rousseff proibiu militares da ativa de realizar qualquer comemoração relativa ao golpe de 31 de março.

Os confrontos entre os dois grupos antagônicos — militares da reserva e grupos em Defesa dos direitos humanos — derivam do clima de tensão agravado com a demora na instalação da Comissão da Verdade. A lei que cria o colegiado foi sancionada em novembro do ano passado e as expectativas são de que a presidente Dilma Rousseff anuncie os sete nomes que irão compor a comissão logo após sua viagem aos Estados Unidos, entre 9 e 11 de abril. As discussões sobre a validade da Lei da Anistia — estava prevista para ontem a análise, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da aplicação da lei em casos de crimes "permanentes" — também contribuem para elevar a temperatura.

Ânimos acirrados

As tensões entre a caserna e os grupos de esquerda começaram a se acentuar quando militares da reserva reagiram a declarações que a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, deu ao Correio em fevereiro, de que as informações apuradas pela Comissão da Verdade podem dar origem a processos criminais contra aqueles que tenham cometido crimes durante a ditadura militar. Os clubes militares se manifestaram com críticas a Maria do Rosário e à ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, por haver se pronunciado contrariamente ao regime militar.

A nota dos militares afrontava a presidente Dilma Rousseff por não censurar publicamente as declarações de suas ministras. O Palácio do Planalto interveio e, a pedido do Ministério da Defesa, a nota foi suspensa. No entanto, dias depois, um grupo de oficiais da reserva voltou a se manifestar com críticas duras ao ministro da pasta, Celso Amorim, pela interferência no caso. Ficou acertado que os signatários do segundo manifesto seriam punidos com advertências, mas conversas entre os comandantes das três Forças e generais que coordenaram a "rebelião" amenizaram os ânimos.

Nos últimos dias, manifestações pelo país comandadas por integrantes do Levante Popular da Juventude constrangeram militares acusados de tortura durante a ditadura militar. Os atos ocorreram em frente à casa ou no local de trabalho dos acusados.

OEA vai investigar o caso Herzog

Comissão da Organização dos Estados Americanos apura omissão do governo na morte do jornalista

Renata Mariz

No momento em que o país discute a Lei da Anistia e às vésperas de ser formada a Comissão da Verdade, que vai investigar os crimes cometidos por militares na ditadura, o caso do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu morto em 1975, depois de ser detido por agentes do DOI-Codi de São Paulo, chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington (EUA), a Comissão Interamericana abriu processo contra o Brasil para investigar a omissão do país na apuração da morte de Herzog, apresentada pela autoridades da época como suicídio, embora com sinais claros de assassinato.

A Secretaria de Direitos Humanos foi comunicada ontem do processo aberto pela Comissão Interamericana e encaminhou cópia para apreciação da Advocacia-Geral da União (AGU), que vai se certificar de requisitos formais do procedimento. O governo brasileiro tem 60 dias para se manifestar. Se a defesa apresentada não for suficiente, o caso pode ser remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos, também da OEA. A diferença é que, enquanto a comissão estabelece recomendações, a Corte sentencia os países que sentam no banco dos réus. O constrangimento internacional também é maior nessa segunda instância.

Inquérito


Encaminhada à Comissão Interamericana pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), a denúncia que culminou na abertura do processo apresentou um histórico de omissões por parte do Brasil. Destacou que a investigação oficial foi realizada por meio de inquérito militar, concluindo pela ocorrência de suicídio. Em 1992, o Ministério Público de São Paulo chegou a requisitar a abertura de inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte do jornalista, mas o Judiciário considerou que a Lei de Anistia impede a realização das investigações. Em 2008, houve mais uma tentativa de iniciar o processo, arquivado sob o argumento de que os crimes a serem apurados já tinham prescrito.

"O que se quer, nessa ação, é apurar a responsabilidade do Brasil, em não ter investigado e punido os assassinos de Herzog, e não a morte do jornalista em si", afirma Luc Athayde, assistente jurídico do Cejil. A entidade considera importante o momento em que a Comissão Interamericana abre o processo do caso Herzog. "Entendemos como um recado ao Supremo Tribunal Federal, que tem a Lei da Anistia para julgar, essa notificação do Brasil agora", diz Luc.

A última condenação sofrida pelo Brasil na Corte Interamericana, onde o caso Herzog pode chegar, foi o caso da Guerrilha do Araguaia. Na sentença, em 2010, o organismo internacional determinou que o país faça a investigação penal e puna os responsáveis por detenções arbitrárias, tortura e desaparecimento forçado de cerca de 70 pessoas, entre 1972 e 1975, entre integrantes do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região. A última tentativa nesse sentido se deu recentemente, quando o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Sebastião Curió, comandante da operação, mas a Justiça não aceitou, alegando desacordo com a Lei da Anistia.

Fonte: / NOTIMP


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