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Especial: Ministério Público é órgão autônomo, diz Celso Amorim sobre caso Curió; MP pede, mas Justiça nega prisão de Curió

Vitor Abdala .

O ministro da Defesa, Celso Amorim, disse dia 16 que não vai opinar sobre a decisão do Ministério Público Federal (MPF) de denunciar à Justiça o coronel da reserva do Exército Sebastião Curió, por crimes cometidos durante o regime militar (1964-1985). Segundo Amorim, o Ministério Público é um órgão autônomo.

“O Ministério Público é um órgão autônomo. Eu não vou me pronunciar se ele está certo ou errado. Isso aí é a Justiça que vai se pronunciar. A posição nossa é dar força à Comissão da Verdade, com toda a integralidade que ela tem. Para tratar desses temas, há a lei que criou a Comissão da Verdade. Vamos tratar da Comissão da Verdade, com todos os aspectos que estão ali englobados. Vamos investigar tudo o que aconteceu. Todos terão que cooperar para que se conheça a verdade e, ao mesmo tempo, a Comissão da Verdade incorpora a Lei da Anistia”, disse Amorim.

Ele concedeu entrevista durante solenidade no Centro de Educação Física da Marinha (Cefan), no Rio de Janeiro, para premiar atletas militares que participaram dos Jogos Mundiais Militares, realizados no ano passado na cidade.

O Ministério Público acusa Curió de ter sequestrado cinco pessoas, capturadas durante repressão à Guerrilha do Araguaia na década de 1970 e que, até hoje, estão desaparecidas. O Ministério Público sustenta que o caso não se enquadra na Lei de Anistia, porque se trata de um sequestro no qual as vítimas continuam desaparecidas. Sem a confirmação das mortes, o Ministério Público trata o caso como um sequestro ainda em execução.

Fonte: / NOTIMP

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De Curió à covardia :: Renato Ferraz

Canudos não se rendeu. "Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer... eram quatro defensores apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança", conta o escritor Euclides da Cunha, que cobriu a Guerra de Canudos para um jornal paulista e a registrou em Os sertões. "Na frente deles", relata ainda Cunha, "rugiam raivosamente 5 mil soldados."

Era outubro de um 1897 cheio de fome, seca, violência, desemprego e fanatismo religioso no Nordeste. Anos se passaram e, nas décadas de 1960 e 1970, veríamos enredo semelhante ser escrito com sangue. A rigor, as razões eram distintas. Porém, existiam também desemprego, fome e certo fanatismo — nesse caso, político. Então, um grupo correu para o meio da selva para lutar na região do Araguaia, no sul do Pará. Eram 79 jovens. No calo deles, curiosamente, 5 mil soldados — como em Canudos.

Até hoje se procuram os corpos desses rapazes e moças. O silêncio parece ser mais estridente à medida que o tempo passa. Agora, um grupo de procuradores brasileiros, partindo do princípio de que crimes permanentes não podem ser abrangidos pela Lei da Anistia, deixa de lado a insana missão de procurar ossos. Começa, sim, a caçar quem semeou esses ossos na terra úmida da selva. Embora a Justiça não tenha aceitado na primeira investida, o alvo é Curió. Eles creem que o hoje coronel da reserva do Exército seja responsável pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas.

Curió, nome que na linguagem tupi-guarani significa "amigo do homem", era comandante das tropas que lá estavam em 1974. Foi quando desapareceram Rosinha, Edinho, Doca, Piauí e Lia. Os cinco não viram, obviamente, o então major ascender na carreira militar, virar político, dar nome a uma cidade. Nem sabem, obviamente, que alguns agentes do Estado, em nome de um bem maior, praticaram atos menores — como a desprezível tortura.

Tenta-se há tempos dar aos pais e parentes desses desaparecidos o direito de lhes enterrar os corpos. Em 2010, a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Estado brasileiro por casos como esse. Está na hora de nós, brasileiros, sem revanchismo, mas sem covardia, também condená-lo. Nossos colegas sul-americanos mexem em chagas semelhantes. E as sombras continuam à sombra.

Fonte:
/ NOTIMP

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Juiz rejeita denúncia contra Curió

Magistrado do Pará argumenta que os supostos sequestros cometidos pelo coronel da reserva durante a ditadura foram anistiados. ONU apela por abertura de processo. MP prepara recurso

Júnia Gama

No mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) parabenizaram o Ministério Público pela tentativa de iniciar um processo criminal contra o coronel da reserva Sebastião Curió e apelaram ao Judiciário brasileiro para que aceitasse a denúncia apresentada pelo grupo de procuradores, a Justiça Federal do Pará a rejeitou.

O militar foi denunciado pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia, vítimas que até hoje não apareceram – vivas ou mortas. O coronel comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia).

O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, baseou-se no argumento de que os crimes cometidos durante a ditadura militar foram perdoados pela Lei da Anistia, de 1979. "Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", afirma o juiz em seu despacho.

A denúncia havia sido apresentada na quarta-feira , sob o argumento de que, como os cinco sequestrados nunca foram localizados, o crime seria permanente. Por isso, não seria passível de ser atingido pela Lei da Anistia, que absolveu crimes cometidos até agosto de 1979. O juiz que analisou o caso, porém, discorda do raciocínio. "Dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o parquet (Ministério Público) que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia", considerou.

Na manhã de ontem, o porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville, havia elogiado, em Genebra, a iniciativa do Ministério Público, inédita no Brasil. Em comunicado, a ONU disse ainda ter "esperança de que o Judiciário brasileiro vai assegurar os direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça ao permitir que um processo criminal vá adiante".

O procurador Andrey Borges, um dos autores da denúncia, disse ao Estado de Minas que o grupo já definiu que vai recorrer ao Tribunal Regional Federal na próxima semana e que a decisão do juiz era esperada. "Já sabíamos que seria difícil, porque é um tema que provoca muitas divergências. Mas, é o entendimento de um juiz. Outros podem decidir de outra forma".

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, afirma que mais denúncias serão apresentadas pelo MP, independentemente da decisão de ontem. "Essa foi apenas a primeira ação, mas outras serão propostas Brasil afora porque houve vários casos semelhantes. Quando houver decisões desfavoráveis, o MP vai recorrer", afirma.

Na pauta do STF A discussão sobre o alcance da Lei da Anistia deverá ser reaberta na semana que vem no Supremo Tribunal Federal (STF). Está na pauta de quinta-feira um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra decisão da Corte que, em 2010, confirmou a anistia àqueles que cometeram crimes políticos no período da ditadura militar. Segundo a OAB, as Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional entendem que os crimes contra a humanidade cometidos por autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais.

A OAB também pede que o STF se manifeste sobre a aplicação da Lei da Anistia a crimes continuados, como o sequestro, utilizando a mesma tese que o Ministério Público aplicou ao caso do coronel Curió. "Em regra (esses crimes), só admitem a contagem de prescrição a partir de sua consumação – em face de sua natureza permanente", alega a entidade no recurso.

Personagem da notícia

CORONEL CURIÓ
MILITAR DENUNCIADO PELO MP

Senhor da rede de informações

Enviado para o Sul da Amazônia na década de 1970 para combater a Guerrilha do Araguaia, o então major Sebastião Rodrigues de Moura, hoje na reserva, não teve pressa para localizar e garantir o desmonte, um a um, de todos os acampamentos do movimento armado na região. Sob o codinome de Marco Antônio Luchini, um engenheiro florestal dos quadros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o militar especializado no Centro de Instrução de Guerra na Selva montou uma rede na região, que incluía biroscas para fornecimento de alimentos e munição onde ele obtinha informações dos caboclos, mostra um estudo divulgado pelo Partido Comunista do Brasil.

Hoje na reserva, o militar de São Sebastião do Paraíso se instalou definitivamente no Pará, virou liderança política e fundou a cidade de Curionópolis. Em 2009, Curió, que herdou o apelido de um pássaro nativo da América do Sul, abriu arquivos sobre a guerrilha e revelou o Exército havia executado 41 guerrilheiros, e não 25, como se sabia até então.

Fonte: / NOTIMP

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MP pede, mas Justiça nega prisão de Curió

O agente militar da reserva Sebastião Curió é acusado do desaparecimento de cinco pessoas no Araguaia

BRASÍLIA – A Justiça Federal no Pará rejeitou ontem denúncia do Ministério Público para prender o agente militar da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura pelo desaparecimento de cinco guerrilheiros do Araguaia, em 1974. Na decisão, o juiz federal João César Otoni de Matos considerou “genérico” e “equivocado” o pedido dos procuradores e avaliou que normas internacionais de direitos humanos não derrubam a Lei de Anistia, promulgada ainda durante o Estado de exceção, em 1979.

Em nota, Otoni de Matos diz que o Ministério Público não apresenta “documentos” ou “elementos concretos” na denúncia contra Curió. “Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, diz o juiz.

Na última quarta-feira, o Ministério Público apresentou à Justiça o argumento de que o desaparecimento dos guerrilheiros é um sequestro qualificado e um crime continuado, pois os corpos dos militantes não foram localizados. Os procuradores argumentaram que o crime, por ter “caráter permanente”, não estaria coberto pela Lei de Anistia, de 1979, que na interpretação mais aceita nos tribunais teria perdoado crimes cometidos por agentes do Estado. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a anistia foi ampla, geral e irrestrita.

Ao rejeitar o pedido dos procuradores federais, o juiz Otoni de Matos afirma que, em 1995, o Estado reconheceu as mortes dos guerrilheiros que estiveram no Araguaia. A Lei 9.140, daquele ano, reconheceu a morte presumida dos chamados “desaparecidos políticos”. O juiz ressalta que para qualificar um crime de sequestro, de acordo com o artigo 148 do Código Penal, não basta o fato de os corpos dos militantes não terem sido encontrados. “Aliás, dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o Ministério Público que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia”, posicionou-se.

Fonte: / NOTIMP

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ONU pede que STF aceite denúncia contra coronel Curió

Organização diz ter "eserança" que judiciário brasileiro assegure direito à verdade; Curió é acusado de sequestro nos anos 1970

A Organização das Nações Unidas (ONU) apelou para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitasse a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) para abrir um processo contra o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Para a ONU, a ação é um "primeiro passo crucial para lutar contra a impunidade que permeia o período do regime militar no Brasil".

Em comunicado emitido na manhã desta sexta-feira, em Genebra, a ONU diz ter "esperança que o judiciário brasileiro irá assegurar os direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça ao permitir que um processo criminal vá adiante".

Segundo a ONU, a iniciativa dos promotores é um "elemento a muito esperado em direção à responsabilização pelas centenas de pessoas que desapareceram durante os 20 anos da ditadura e que continuam desaparecidas". O comunicado foi emitido pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

Curió foi denunciado pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia, vítimas que até hoje não apareceram - vivas ou mortas. O coronel comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia).

A denúncia do Ministério Público não tem precedentes por se tratar de um crime cometido por um responsável militar durante a ditadura, beneficiado por uma ampla Lei de Anistia vigente desde 1979.

Em declarações à Agência Efe sobre esse assunto, o jurista argentino e membro do Grupo de Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos Forçados, Ariel Dulitzky, expressou que "as leis de anistia não podem excluir os direitos à justiça, verdade e reparações nos diversos países".

"No caso do Brasil, apoiamos esse avanço. A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos também disse que a Lei de Anistia de 1979 é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, não é algo defendido apenas pelo Grupo de Trabalho".

Fonte: / NOTIMP

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Amorim não comenta apoio da ONU ao MPF no caso Curió

Bruno Góes

O ministro da Defesa, Celso Amorim, não quis comentar diretamente a posição da ONU sobre a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Ontem, as Nações Unidas pediram ao Judiciário Brasileiro que leve à frente o indiciamento do militar. Segundo ele, a posição do governo sobre o assunto está expressa na criação da Comissão da Verdade.

- A minha posição é que nós temos para tratar destes temas a lei que criou a Comissão da Verdade. E vamos tratar da Comissão da Verdade com todos os aspectos que estão ali englobados. Vamos investigar tudo o que aconteceu, todos terão que cooperar para que se conheça a verdade e, ao mesmo tempo, a comissão incorpora também a Lei de Anistia - disse Amorim, durante visita ao Rio, onde participou na manhã de ontem da cerimônia de imposição da Medalha Mérito Desportivo Militar, para condecorar atletas civis e militares que se destacaram em competições esportivas nacionais e internacionais.

O governo tem se comportado de maneira contraditória sobre o assunto - a ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, elogiou a iniciativa e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que o MPF não age de forma "adequada". Agora foi a vez de Amorim afirmar que Ministério Público é um órgão autônomo e que "não vai dizer se ele está certo ou errado":

- A nossa posição é de dar força à Comissão da Verdade com toda a integralidade que ela tem.

O ministro aproveitou para rebater algumas críticas de militares, que consideram a comissão um ato de revanchismo.

- Vamos eliminar mitos, como esse de que a Comissão da verdade é revanchismo. Não é revanchismo, é a busca da verdade. E a verdade é a verdade. Não existe verdade de um lado de outro. Existe verdade.

Sobre a insatisfação e o manifesto de oficiais da reserva que criticaram o governo, Amorim acha que a situação está pacificada.

- Eu não vou ficar (preocupado) com todo mundo que for se manifestar. Isso aí está controlado. Quer dizer, controlado não é uma boa palavra. Acho que ninguém pode aumentar as proporções. Claro que é uma coisa importante, os comandantes têm conversado a respeito. As coisas têm caminhado de uma forma adequada. Agora vamos olhar um pouco para frente - disse.

Fonte:
YAHOO NOTÍCIAS / NOTIMP

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Elio Gaspari: "Curió", o herói da ditadura

O major do Araguaia sabe o que aconteceu há 40 anos naquele fim de mundo, tomara que conte

Sete procuradores tentaram processar o tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió", pelo sequestro, há quarenta anos, de cinco prisioneiros na região do Araguaia. Ex-oficial do Centro de Informações do Exército, ex-agente do SNI, ex-prefeito de Curionópolis (eleito pelo PMDB) e ex-deputado federal, ele é um dos personagens emblemáticos da anarquia da ditadura.

Começou sua carreira em 1973, no extermínio da Guerrilha do Araguaia, iniciativa do PC do B que começou com a fuga do chefe político e terminou com a fuga do chefe militar. Transformado em condestável da maior mina de ouro a céu aberto do mundo, em Serra Pelada, em 1984 liderou a maior revolta popular ocorrida na região. Mobilizando dezenas de milhares de garimpeiros, dobrou o governo federal.

Curió já foi comparado ao mítico Kurtz, personagem de "No Coração das Trevas", de Joseph Conrad, recriado por Francis Ford Coppola no Marlon Brando de "Apocalypse Now". Algum dia aparecerá alguém capaz de mostrar o Macunaíma que há nesse Kurtz tropical que virou nome de cidade. Ele começa participando de uma matança, torna-se monarca numa mina e, aos 78 anos, é um patriarca municipal e megalomaníaco.

Não se sabe se "Curió" participou das execuções de que é acusado, mas ele conhece como poucos a história do Araguaia. Atribuem-lhe dois valiosos vazamentos de informações sobre a ação do Exército. Curió tornou-se o mais conhecido entre os oficiais, mas nunca comandou a operação. Era detestado pelos militares, que viam nele um oportunista.

"Curió" poderia ser um precioso depoente. Os comandantes militares dizem que os documentos do Araguaia foram destruídos. Meia verdade. É possível saber quais foram os cabos, sargentos e oficiais mandados para lá. Basta requisitar a documentação das concessões de Medalhas do Pacificador entre 1973 e 1975. Nem todos aqueles que as receberam estiveram no Araguaia e muitos foram condecorados por relevantes serviços, mas todos os que lá estiveram as receberam.

Nesses papéis estão registradas as épocas em que lá serviram. Quem chegou àquele fim de mundo depois de outubro de 1973 sabe que a ordem, vinda de Brasília, era de matar todo mundo. Executaram os prisioneiros, inclusive aqueles que acreditaram em folhetos que os convidavam à rendição. Foram cerca de 50 pessoas, na maioria jovens.

"Curió" pode ter executado prisioneiros, mas não foi o único a fazê-lo e quem o fez estava cumprindo ordens. De quem? Dos presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel, e dos ministros do Exército: Orlando Geisel, Dale Coutinho e Silvio Frota. Por terem cumprido essa e outras ordens, "Curió" e os demais combatentes do Araguaia receberam a medalha.

Fonte: / NOTIMP

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'Anistia de mão dupla foi o preço da volta à democracia'

Jurista reconhece "custo alto" para retorno da "paz política e social", mas vê "insegurança jurídica" em denúncias contra militares

Roldão Arruda

A tentativa do Ministério Público Federal (MPF) de punir agentes de Estado que cometeram crimes de sequestro e ocultação de cadáveres durante a ditadura militar, sob a alegação de que seriam crimes permanentes, não ajuda a causa dos direitos humanos. Quem faz essa avaliação é o jurista Miguel Reale Junior, titular da cadeira de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Para o jurista, a investida dos procuradores é nula do ponto de vista jurídico e temerária. "Dar andamento a essa ideia significaria criar uma imensa insegurança jurídica", disse ele em entrevista ao Estado.

Além de professor titular da USP, Reale Junior foi ministro da Justiça no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002 e também presidiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos. Antes disso, no final da década de 1970, participou, como conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dos debates que levaram à criação da Lei da Anistia, em 1979.

O debate em torno dos crimes de sequestro e ocultação de cadáver ainda está no início. Na semana passada, após a rejeição da primeira denúncia contra o major da reserva Sebastião Curió, os procuradores da República anunciaram que vão recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. O assunto deve acabar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Como o sr. vê o texto da denúncia contra o major Curió, acusado de crimes na guerrilha do Araguaia?

O documento é importante do ponto de vista histórico, porque faz um relato preciso das circunstâncias das prisões e narra com detalhes o que aconteceu. Sob o aspecto jurídico, porém, o valor é nulo.

Por que o sr. destaca o valor histórico da denúncia?

Fui presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos por um período de cinco anos. No trabalho à frente dessa comissão, criada pela Lei 9.140 de 1995, foi extremamente chocante ouvir os relatos sobre os desaparecidos, especialmente os casos dos torturados nas delegacias, nos porões da ditadura. Por isso considero importante essa denúncia.

E por que não vê valor jurídico no documento?

A Lei 9.140, que criou a comissão, estabelece em seu primeiro artigo que se reconhece, para todos os efeitos legais, a morte das pessoas desaparecidas. Foi em decorrência dessa determinação que houve a emissão de certidões de óbito pelos cartórios e a abertura de processos de sucessão, que eram reivindicações dos familiares. Diante disso, fica absolutamente sem sentido estabelecer agora que os desaparecidos continuam vivos. Como sustentar uma coisa dessas, se eles são declarados mortos pela lei e se não existe nenhum elemento probatório de que estão vivos? Não há um mínimo indício, nada que permita processar os autores dessas prisões por sequestro - e não por homicídio, como se pretende agora.

Os desaparecidos estavam sob a guarda dos militares.

Eles faziam parte da guerrilha e as eventuais prisões que ocorreram colocavam-se dentro do nível da legalidade. O ilegal, evidentemente, seria torturá-los e matá-los. Portanto, se alguém fosse encaminhar um processo criminal, se tivesse elementos para isso, seria em relação a tortura e homicídio - jamais por sequestro. Mas o primeiro contrassenso nesse debate, insuperável, é esse ao qual já me referi: os desaparecidos foram legalmente declarados mortos. Como é que podem ser reconhecidos como mortos para outros efeitos, como sucessão familiar, mas não para esta denúncia? É uma temeridade.

Os corpos não foram encontrados. Não é crime permanente?

O sequestro é um crime que existe no momento da ação, quando se pega alguém, com abuso de autoridade, e suprime sua liberdade, impedindo que saia do cárcere. Onde é que existe algum indício, alguma ação que demonstre que, ao longo desse período de quase 40 anos, essas pessoas foram impedidas de recuperar a liberdade e continuam encarceradas? Como se pode provar a participação do Sebastião Curió para impedir, nesse tempo todo, a liberdade dessas pessoas, que estão presumivelmente mortas?

Isso não seria uma brecha na Lei da Anistia para finalmente punir os autores dos crimes?

Isso é mais do que uma elucubração jurídica: é uma criação. O processo penal não funciona assim. Ele precisa de fatos, não de hipóteses que venham satisfazer a necessidade de punir alguém. Eu também gostaria que o Curió e outros que participaram de atividades repressoras tivessem a sua punição. Mas não podemos fazer isso porque temos, em primeiro lugar, uma impossibilidade jurídica. Dar andamento a essa ideia significaria criar uma imensa insegurança jurídica. Não tenho dúvida de que a absoluta falta de justa causa para a propositura dessa ação vai demonstrar que se pode brincar com o direito, que se pode fazer denúncias infundadas. Em vez de beneficiar a causa do repúdio a esses atos, ela acaba sendo maléfica.

O sr. falou das prisões no Araguaia. E os casos ocorridos em outros lugares?

Todos os casos estão sob o manto da Lei da Anistia de 1979. E não se pode falar em sequestro e crime continuado, porque ninguém ficou sequestrado. Com o fim do AI-5 e o início do governo de Tancredo Neves e José Sarney, ninguém mais ficou encarcerado por crime político.

A lei é criticada por ter sido promulgada sob o regime militar.

Na época eu fazia parte do Conselho Federal da OAB. Nós lutamos por essa lei, porque era uma forma de trazer um pouco de paz política e social ao País. Várias pessoas que estavam presas, refugiadas e exiladas puderam voltar ao Brasil e reiniciar suas atividades políticas. Foi o início de um processo de pacificação para se passar ao regime efetivamente democrático. Não se pode negar que a lei constituiu um benefício político e democrático para o Brasil.

Critica-se o fato de ter sido uma anistia de mão dupla.

Foi sim um processo de mão dupla, que também anistiou aqueles que praticaram tortura, que é um crime contra a humanidade. Ao mesmo tempo, porém, do ponto de vista interno, da política brasileira, foi o momento da volta dos cassados aos cargos públicos, dos professores às atividades universitárias, da organização dos partidos. Foi um preço alto? Foi. Mas foi o preço para trazer a paz política e social para o Brasil. Mais tarde, é preciso lembrar, essa anistia foi legitimada pela emenda constitucional que convocou a Assembleia Constituinte. O tema também já passou pelo Supremo Tribunal, que o analisou profundamente. Não se pode fazer tábula rasa de tudo isso, porque o resultado leva a uma profunda insegurança jurídica.

Representantes da ONU apoiaram a iniciativa do MPF.

É uma contradição falar em proteção dos direitos humanos sem o respeito aos princípios básicos do Estado democrático. Forçar uma interpretação, que permita moldar o que aconteceu a um determinado tipo penal, é um desrespeito aos princípios básicos do direito. Por mais justo que seja o desejo de punir as pessoas que praticaram atos violentos à época da ditadura militar, nada justifica o abandono de princípios nos quais está fundamentado nosso pensamento. Não pode se garantir direitos humanos a uns e negar a outros.

Como vê a pressão dos organismos internacionais sobre o País? É uma pressão que se faz com base em tratados e documentos que o País assinou depois da Lei da Anistia. Eles devem ser executados no nosso dia a dia, mas querer retroagir e forçar a adequação de acontecimentos é o mesmo que colocar o desejo acima dos princípios.

E a Comissão da Verdade?

É um ponto altamente positivo porque não há direito ao esquecimento. Os fatos devem ser divulgados e ensinados às novas gerações. O que não existe é o direito à perseguição penal.

Lei beneficiou os dois lados

Promulgada em 1979, a Lei da Anistia teve mão dupla porque beneficiou tanto perseguidos políticos quanto agentes de Estado acusados de violar direitos humanos. Após a a abertura democrática, a lei passou a ser questionada. Em 2010, o STF julgou uma ação sobre o tema e validou a interpretação inicial.

O assunto voltou agora ao debate com uma ação do MPF contra o major da reserva Sebastião Curió, que comandou ações contra a guerrilha do Araguaia, na década de 1970. Ele é acusado de sequestro e ocultação de cadáveres de cinco guerrilheiros. Segundo o MPF, trata-se de um crime não resolvido. Não pode, portanto, ser incluído na Lei da Anistia, que abrange de 1961 a 1979.

Fonte: / NOTIMP

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Supremo voltará a julgar validade da Lei da Anistia

OAB recorre de decisão de 2010 e afirma que sequestro é crime continuado

Depois de rejeitar o pedido de abertura de processo contra o coronel Sebastião Curió, o Judiciário voltará a discutir um tema associado à repressão militar a militantes da esquerda durante a ditadura (1964-1985). Desta vez, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) debater a própria Lei da Anistia. O plenário vai analisar um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra decisão da própria Corte, em 2010, quando os ministros definiram que os militares envolvidos não poderão mais ser julgados pois estão anistiados desde o advento da lei, em 1979.

O julgamento está previsto para quinta-feira, mas a expectativa é de que o STF mantenha a inviolabilidade da Lei da Anistia. A OAB argumenta que os sequestros de desaparecidos são crimes permanentes já que as vítimas nunca foram encontradas. Dessa forma, os responsáveis não podem ser beneficiados pela Lei da Anistia.

Caso de extradição produziu argumento para o recurso

Em 2010, o entendimento foi de que a lei perdoou os opositores ao regime militar que cometeram crimes e também os agentes de Estado acusados de violações a direitos humanos.

No entanto, para a OAB, o Supremo foi omisso em relação à tese de que os sequestros não poderiam ser perdoados já que são crimes permanentes. A entidade também observa que a Assembleia das Nações Unidas confirmou que são considerados crimes contra a humanidade assassinatos, extermínios e todos atos desumanos cometidos contra a população civil por autoridades estatais. Segundo a Ordem, esses crimes não podem ser anistiados por leis nacionais.

A OAB cita no recurso decisão tomada em 2009 pelo STF autorizando a extradição para a Argentina do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini. Ele foi acusado de participar da Operação Condor, que nos anos 70 reprimiu os opositores a regimes militares da América do Sul.

No processo analisado pelo tribunal, o militar era acusado de envolvimento no desaparecimento de uma criança de 10 anos. No julgamento, o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, disse que o crime de sequestro tem caráter permanente já que a vítima não apareceu.

Na sexta-feira, a Justiça do Pará rejeitou pedido para que Curió fosse processado pelo crime de sequestro contra cinco militantes de esquerda mortos na repressão à Guerrilha do Araguaia. No despacho, o juiz federal João César Otoni de Matos reforçou o entendimento de que a Lei da Anistia foi importante para a pacificação nacional, em 1979, e criticou o Ministério Público Federal pela tentativa de "driblar" a Anistia.

Fonte: / NOTIMP









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