Artigo: A caça ao piloto sumido
A profissão vive um excelente momento, com fartura de empregos no Brasil e no exterior e bons salários .
Alexandre Salvador e Carolina Melo .
A demanda por voos domésticos no Brasil cresceu 24% em 2010, muito acima da expectativa para o ano, que era de 8,5%. Foram 67 milhões de passageiros circulando pelos caóticos aeroportos do país. Como mais voos exigem mais tripulação, houve uma corrida das companhias aéreas para contratar pilotos. No ano passado, as duas maiores companhias aéreas brasileiras, juntas, adicionaram 702 pilotos a seus quadros. Em 2009, foram apenas 73. Para 2011, estão previstas 609 contratações.
Nada que lembre o início dos anos 2000, quando a falência da Varig, Vasp e TransBrasil pôs na rua centenas de pilotos, já que as empresas remanescentes não tinham condições de absorvê-los. Muitos deles foram buscar emprego fora do país, principalmente em companhia da Ásia e do Oriente Média. Hoje há 650 pilotos brasileiros trabalhando no exterior. É possível que muitos voltem no futuro próximo. Com a estabilidade econômica e a iminência de dois grandes eventos – a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 - , prevê-se um crescimento constante da demanda por voos e, consequentemente, por pessoal para operá-los. Se as perspectivas otimistas se confirmarem, o número de passageiros no Brasil deverá triplicar nos próximos quinze anos. Com tanto vento de cauda, é natural que haja a multiplicação dos profissionais habilitados a comandar aviões de carreira. No ano passado, 392 pilotos receberam a licença de linha aérea – 50% a mais do que em 2009.
Uma pesquisa nacional feita pelo Ibope no ano passado com 1500 entrevistados mostra os pilotos aéreos em segundo lugar entre profissionais em quem a população confia. Eles aparecem atrás apenas dos bombeiros – e bem longe dos políticos, na última colocação entre dezesseis categorias. A profissão de piloto sempre despertou admiração e fascínio. Pilotar máquinas fantásticas, viajar pelo mundo, vestir belos uniformes – tudo concorre para essa percepção de que eles são uma espécie de herói. Essa aura romântica era apropriada nos velhos tempos em que a pilotagem era manual e, para o passageiro, voar era símbolo de status.
Naquele tempo, o piloto era paparicado pela companhia como se pertencesse a uma classe superior de profissionais. “A relação entre as companhias e os pilotos perdeu o caráter pessoal existente no passado”, diz Ruy Amparo, vice-presidente da TAM. “Hoje o relacionamento e puramente profissional.” Com o tráfego aéreo congestionado e aviões controlados por computador, o trabalho dos pilotos tornou-se mais complexo. Além de saberem pilotar, eles precisam ter conhecimentos – e não apenas noções – de matemática, física e meteorologia. Conta pontos para o currículo se também entenderem de economia, contabilidade e gestão de empresas aéreas.
As novas exigências da profissão estão transformando radicalmente a formação dos pilotos. Pela legislação vigente, para ganhar acesso à cabine de comando de um jato comercial basta ter o ensino médio completo, concluir um curso numa escola de aviação ou aeroclube e acumular 150 horas de voo. Esse padrão está obsoleto. As companhias aéreas dão preferência aos profissionais com diploma de ciências aeronáuticas. O primeiro curso desse tipo foi criado em 1993, numa parceria entre a PUC gaúcha e a Varig. Hoje, 23 escolas já o oferecem.
Ao contrário dos cursos de aeroclubes, que têm em média cinco disciplinas teóricas e carga de 250 horas, o bacharelado em ciências aeronáuticas tem sessenta matérias na grade, com mais de 2800 horas de estudos teóricos. “O comandante do futuro precisará ser um bom gerenciador de todo o processo de voar, e não somente saber pilotar”, diz o paulista Ricardo Magnani, comandante da Gol. A formação superior leva de três a quatro nos. Também custa mais caro – 100000 reais, contra 60000 daquela feita em escolas de aviação. Em compensação, o diploma garante melhores condições na busca por um emprego. “Os pilotos que não frequentam uma universidade precisam completar mais horas de voo para ser aceitos em uma companhia aérea”, diz o gaúcho Bruno Hartmann, que cursa o último ano de ciências aeronáuticas na PUC-RS. A proficiência no idioma inglês, como em muitas outras profissões, também é exigência básica para galgar degraus na profissão de piloto.
A profissão é bem remunerada. Nas companhias aéreas nacionais, o salário de um comandante chega a 30.000 reais. Em contrapartida, a carreira exige abdicar de uma vida social e familiar nos moldes convencionais. Os pilotos recebem uma escala mensal ou semanal, determinando dia, hora e destino de seus voos. Mas tudo pode ser alterado, dependendo da demanda por voos ou da impossibilidade de um colega cumprir uma etapa de sua escala. “A gente perde a noção do que é sábado e domingo, tudo o que importa é o dia da folga”, diz a comandante Maria Medeiros, da Azul.
Como estão frequentemente longe de casa, os pilotos têm dificuldade em assumir compromissos na cidade onde moram. “Quando vou marcar consulta com meu médico, faço o processo inverso ao de todo mundo. Eu mostro a ele minha escala e ele escolhe o melhor horário para me atender”, diz o comandante Magnani. Também não é fácil lidar com a responsabilidade de ter nas mãos a vida de centenas de pessoas. Diz a comandante Maria: “Somos treinados para pensar racionalmente diante de qualquer situação de risco. Não dá tempo de o lado emocional se manifestar. Só quando chego em casa me dou conta do que poderia ter acontecido se algo desse errado”.
A rotina – ou a ausência dela – tem contornos diferentes para os que optam pela aviação executiva, pilotando jatinhos de empresas ou particulares. Historicamente, a aviação executiva serve de trampolim para jovens pilotos acumularem horas de voo e pleitearem uma vaga nas companhias aéreas. Isso mudou com o crescimento exponencial da frota de jatinhos no Brasil. Há hoje 1000 aviões executivos voando no país – a segunda frota dos Estados Unidos. O salário de um piloto executivo pode chegar a 45.000 reais.
A alta remuneração se explica pelo fato de esse profissional estar disponível para voar sempre que o patrão o requisita. Não sai do plantão. Além disso, é responsável por gerenciar todos os procedimentos que a manutenção de uma aeronave e os voos envolvem. Ele acompanha as revisões na oficina e supervisiona a limpeza do avião. São tarefas também do comandante manter os documentos do avião em dia e escolher o hotel em que ficará hospedado. Em viagens internacionais, precisa checar até se os passageiros têm visto de entrada válido. “ Na aviação comercial o piloto sabe quando estará no ar e quando estará em casa. Eu levo a vida que o dono do avião tem”, explica Honorato Gomes, que voa para quatro empresários cariocas donos, em sociedade, de um avião. Gomes se diz satisfeito com a profissão. “ O empresário que viaja a negócios quer voltar logo para casa, e às vezes fica um mês inteiro sem voar. Isso para mim é uma vantagem”, afirma. Longe vai o tempo em que as companhias aéreas nacionais mandavam buscar o uniforme sujo do piloto em sua casa e o devolviam limpo. Em compensação, não faltam empregos para quem vence a maratona da formação profissional.
Fonte: REVISTA VEJA / NOTIMP
Foto: AZUL