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Líbia: País dá ao Ocidente uma constrangedora lição







Gideon Rachman.

Financial Times.

Mais uma semana, mais uma revolução. Muamar Gadafi, da Líbia, poderá tornar-se o terceiro líder árabe a ser varrido do poder em pouco mais de um mês.

Até poucos anos atrás, sua derrubada teria sido recebida com alegria nas capitais ocidentais. Mas, nos últimos anos, o líder líbio foi recaracterizado como sendo um pecador reformado, aliado na "guerra ao terror" e valioso parceiro de negócios. Suas atuais agruras deveriam ser justa causa de constrangimento - inclusive em Londres, uma vez que o Reino Unido colocou-se à frente na tentativa de reabilitação do coronel Gadafi.

As mudanças de atitude em relação a Gadafi evidenciam a forma como as preocupações ocidentais em relação aos direitos humanos são quase sempre tingidas pela conveniência. Nos anos 80, o líder líbio era considerado o principal patrocinador estatal de terrorismo e justamente denunciado por seu terrível histórico em direitos humanos. Ronald Reagan chamou-o de "cachorro louco" e os EUA bombardearam Trípoli em 1986. Saddam Hussein, do Iraque, pelo contrário, era amplamente tolerado por ser útil na contenção do Irã.

Quando os EUA decidiram que precisavam derrubar Saddam, seu medonho histórico em direitos humanos passou a receber muito mais atenção. Em contrapartida, a crueldade do regime de Gadafi foi minimizada, nos últimos anos. Quando os EUA e o Reino Unido procuraram uma justificação a posteriori para a guerra no Iraque, a renúncia líbia às armas de destruição em massa foi aproveitada como prova conveniente de que o Oriente Médio tinha mudado para melhor após a guerra no Iraque.

Em 2004, Tony Blair visitou a Líbia e saudou Gadafi como um parceiro na "guerra ao terror". Empresas britânicas seguiram na trilha aberta pelo premiê e lucrativos contratos petrolíferos foram assinados. Em 2008, Condoleezza Rice se tornou a primeira secretária de Estado americana a visitar a Líbia desde 1950.

É verdade que o comportamento da Líbia, nos últimos anos, tornou-se menos diretamente ameaçador para o Ocidente. Mas o líder líbio continuou sendo um déspota brutal. Se ele agora for derrubado, será menos graças aos EUA ou à Europa. Em vez disso, o povo líbio buscou inspiração e apoio concreto em seus recém-libertados vizinhos no Egito e na Tunísia.

Os líbios necessitam de toda ajuda que puderem conseguir, porque o coronel comanda um regime muito mais cruel do que os derrubados no Egito ou na Tunísia. Ao contrário do que ocorreu no Cairo ou em Túnis, as equipes de TV estrangeiras foram proibidas de gravar o banho de sangue nas ruas de Benghazi e Trípoli. A Líbia nunca permitiu nem uma fachada de democracia e da oposição que foi tolerada no Egito. Todos os partidos de oposição são proibidos. Na realidade, a adesão a um partido político é punida com a morte.

A Freedom House, que monitora as liberdades civis e políticas em todo o mundo, classificou recentemente a Líbia como o país mais despótico no Oriente Médio. Foi o único país a obter a pior pontuação (sete) em matéria de liberdade política e civil: é pior do que a Síria, pior do que o Irã, muito pior do que o Egito de Hosni Mubarak. De acordo com a classificação da Freedom House, a Líbia está ao lado das piores ditaduras do mundo: Coreia do Norte e Mianmar.

A riqueza resultante do petróleo líbio e seu brutal e excêntrico líder fizeram com que o país tivesse uma presença muito maior, no cenário internacional do que sua população merecia. A despeito de seu vasto território (é o quarto maior país na África), a Líbia tem uma população de apenas 6,7 milhões de habitantes, em comparação com os 80 milhões no vizinho Egito.

Agora que o regime líbio cambaleia, já não parece exagero denominar os eventos no Oriente Médio como o "1989 árabe". Mas, enquanto as revoluções europeias de 1989 varreram do mapa regimes antidemocráticos hostis ao Ocidente, as revoluções árabes vitimaram, até agora, regimes pró-ocidentais antes considerados forças de moderação na região.

Egito e Tunísia se foram. A Líbia, do recém-conquistado amigo do Ocidente, está cambaleando. O Bahrein, base da Quinta Frota americana, está em crise. O mesmo acontece com o Iêmen, um aliado importante na luta contra a Al-Qaeda. Os americanos adorariam ver seus inimigos no Irã e na Síria varridos pela onda de revolta popular. O medo é que esses regimes possam ser suficientemente cruéis para se manterem no poder.

Isso deixa a Arábia Saudita como o mais crucial aliado árabe do Ocidente. Poucos em Washington sentem-se confortáveis em defender uma monarquia feudal cujo sistema educacional produziu quinze dos dezenove sequestradores do 11 de Setembro. Mas os sauditas só se tornaram mais cruciais para o Ocidente nos últimos anos, como baluarte contra o Irã e "Banco Central" do petróleo - maior produtor de petróleo do mundo.

Não está claro como a Arábia Saudita reagirá à perda de um aliado chave como Mubarak e à turbulência nos vizinhos Bahrein e Iêmen. Mas uma rápida passagem para a democracia pode certamente ser descartada. Mais provável seria uma iniciativa saudita visando dar sustentação à família real sunita no vizinho Bahrain, talvez por meio de intervenção militar, utilizando a grande quantidade de armamento vendido aos sauditas pelos gananciosos ocidentais.

O governo Obama adoraria ter uma narrativa clara em que liberdade e interesses americanos progredissem, de mãos dadas, em todo o Oriente Médio. Na realidade, as coisas são muito mais confusas e perigosas.

Mas deve haver pouco espaço para ambiguidades sentimentais diante da queda de Gadafi. Apesar dos débeis esforços pós-Iraque para rebatizar o líder líbio como uma força do bem, ele permanece sendo o que sempre foi: um déspota e um monstro.

Fonte: VALOR ECONÔMICO / NOTIMP



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