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Aeroportos: Vamos contar com a sorte?





A Fifa e o Tribunal de Contas da União alertam sobre a paralisia das obras da Copa de 2014. Para cumprir os prazos, o governo vai gastar mais e sem licitação

Isabel Clemente, Murilo Ramos e Celso Masson

Faltam menos de quatro anos para o início da próxima Copa do Mundo. E falta quase tudo para que o Brasil tenha condições de sediar o Mundial. O eleitor brasileiro ainda não escolheu quem ocupará a Presidência da República em 2014. O torcedor brasileiro não sabe em qual cidade será o jogo de abertura. O contribuinte brasileiro não faz ideia de quanto a Copa custará ao país, que retorno ela trará ou quem vai pagar a conta. Até agora, as únicas certezas que o brasileiro pode ter é que Lula não será presidente em 2014 – e que seu governo não tem tratado como deveria os preparativos para o maior evento do futebol no planeta. Lula tem se mostrado tolerante demais com os atrasos, mas não está sozinho. Prefeitos e governadores também não acordaram para o desafio.

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NO BURACO
Uma obra na pista do aeroporto de Cumbica, em São Paulo. Para cumprir os prazos, a Infraero quer licitações especiais. A sensação de que o país está menosprezando a tarefa de fazer a Copa de 2014 foi confirmada por uma série de declarações da semana passada. O primeiro pontapé partiu do secretário-geral da Fifa, Jerome Valcke. Numa entrevista em Johannesburgo, um dia depois de encerrado o Mundial que deu à Espanha seu primeiro título, Valcke enumerou as pendências do Brasil: “Precisamos construir estádios, estradas, telecomunicações, aeroportos e ver se há capacidade suficiente em hotéis”. Formando dupla de ataque com Valcke, o ministro Valmir Campelo, do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgou uma auditoria feita pelo órgão com dados coletados até abril. Ela chega ao mesmo placar da entidade que controla o futebol mundial: o Brasil ainda não saiu do zero na organização da Copa. Para mudar o placar, só contando com a sorte.

O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, ainda tentou defender a reputação verde-amarela, mas deixou escapar que os aeroportos do país o preocupam. Coube a Lula chutar para a galera: “Acabou a Copa, e já começam a dizer: ‘Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os estádios brasileiros? Cadê os corredores de trens brasileiros?’ Como se nós fôssemos um bando de idiotas que não soubéssemos fazer as coisas e não soubéssemos definir nossas prioridades”. Lula bateu com força, mas o chute saiu torto. Se não somos idiotas, estamos atrasados e parecemos despreocupados. Lula deverá assinar nesta segunda-feira uma medida provisória para reduzir a burocracia na aprovação de projetos ligados ao Mundial.

ÉPOCA encerra nesta semana a cobertura da Copa de 2010 e dá início a uma nova série, olhando para 2014. Será tratado em profundidade cada um dos aspectos relacionados aos preparativos do próximo Mundial. Os projetos para cada área, das estradas à energia, das telecomunicações à segurança, serão examinados. Os custos, os prazos de entrega e o estágio atual das obras começam a ser diagnosticados nesta reportagem – dedicada ao maior problema apontado por Ricardo Teixeira: os aeroportos.

A expectativa é que a Copa aumente em 10% o fluxo de passageiros nos terminais das cidades sedes. Isso significa um acréscimo de 2,7 milhões de pessoas nos já saturados aeroportos do país. A Infraero, estatal que os administra, trabalha com um cronograma apertado para as obras consideradas essenciais. O investimento chega a R$ 4,5 bilhões. A julgar pelo ritmo atual da execução, o tempo é curto.

Poucas obras estão em andamento. A maioria está em fase de projeto e quase todas começarão, na prática, em 2011. Apenas a ampliação do pátio do aeroporto de Curitiba deverá ter início em dezembro (leia o quadro no final da reportagem). A reforma e ampliação do terminal de passageiros do aeroporto de Manaus é o que tem o prazo mais apertado. Os projetos básico e executivo – etapas essenciais para a obra – ainda estão sendo elaborados. A obra só deverá começar em fevereiro do ano que vem. Se tudo der certo, será concluída em fevereiro de 2014, apenas quatro meses antes do início dos jogos. A previsão para concluir o novo terminal de passageiros de Viracopos, em Campinas, uma obra de R$ 523,6 milhões, que ainda depende de licenciamento ambiental, deverá ser entregue em novembro de 2013, diz a Infraero. Campinas não receberá jogos da Copa, mas Viracopos será fundamental para aliviar o tráfego aéreo de São Paulo e do Rio de Janeiro. A construção do terceiro terminal de passageiros de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo, é a obra mais cara do pacote aprovado pela Infraero para a Copa. Orçada em R$ 653,8 milhões, só vai começar em janeiro de 2011, com prazo de dois anos e nove meses para ficar pronto – sem atrasos, será entregue em outubro de 2013. No total, o aeroporto receberá quase R$ 1 bilhão.

Na quarta-feira, representantes da Infraero participaram de uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre as expectativas em relação aos aeroportos. A empresa sustenta que tudo estará pronto para a Copa de 2014 e rebateu as críticas ao plano de construir anexos provisórios para ampliar a capacidade dos terminais, apelidados pejorativamente de “puxadinhos”. A direção da Infraero argumenta que essa é uma solução usada em vários países desenvolvidos para desafogar uma demanda fora do normal. Lisboa recorreu aos módulos ao sediar a Eurocopa de 2004.

Módulos operacionais são estruturas pré-fabricadas que podem ser usadas temporariamente para ampliar o espaço de embarque e desembarque de passageiros. Um desses módulos começou a ser construído em Brasília, ao custo de R$ 3 milhões. Outro módulo deverá ser montado no mesmo aeroporto antes da Copa. O início da montagem está previsto para agosto de 2012. Mesmo sendo mais simples do que uma obra definitiva, levará dez meses para ser concluído. O plano da Infraero é colocar o mesmo recurso em mais três terminais: Guarulhos, Campinas e Cuiabá.

Para honrar o apertado cronograma, a estatal se viu obrigada a adotar estratégias raramente usadas em condições normais. A principal é o convênio com o Exército, que vem atuando como empreiteira em diversas obras. Uma delas inclui parte da ampliação do sistema de pista e dos pátios em Cumbica. A Infraero também decidiu desmembrar as grandes obras em pacotes menores, numa tentativa de evitar que um contratempo pontual paralise um grande projeto. Pode tanto dar certo quanto gerar mais focos de problemas – e atrasos.

Outro artifício em gestação é a Medida Provisória 489, ainda não regulamentada, que prevê um regime especial de licitações para a Infraero exclusivamente para a Copa. Os prazos legais seriam reduzidos numa tentativa de simplificar as licitações. A ideia de contornar a burocracia, no entanto, não agrada ao Ministério Público Federal (MPF). “Estamos ainda estudando se o texto da MP é legal, e vamos dar um parecer”, diz o procurador Athayde Ribeiro Costa, do Amazonas, coordenador do grupo de trabalho do MPF que acompanha as obras da Copa de 2014. “A ficha da Infraero não é exatamente limpa, e algumas das propostas da MP podem comprometer a transparência do processo”, afirma Costa. Para ele, o novo regime de licitação poderá ferir a livre concorrência.

Um dos artigos da MP 489 prevê que para dar publicidade à licitação bastaria à Infraero divulgar uma chamada num Diário Oficial (seja da União, do Estado ou do município), num jornal de grande circulação ou, simplesmente, informar os fornecedores, cadastrados ou não. A última opção não dá garantia alguma de que o negócio será de conhecimento público. Nas justificativas para a MP 489, o governo federal cita caráter de “urgência” para “mitigar ao máximo os riscos de atrasos nos procedimentos licitatórios” e não atrapalhar as obras. “O país tem leis. Não pode, a pretexto da Copa, ser irresponsável e, na pressa, aceitar projetos malfeitos”, diz Costa.

Os investimentos aeroportuários mereceram destaque especial no relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com o ministro Valmir Campelo, é possível observar que aeroportos como os de Brasília, Guarulhos, Confins (Belo Horizonte), Cuiabá, Fortaleza e Porto Alegre já operam acima da capacidade. Outros, como os de Curitiba e Manaus, estarão acima de sua capacidade operacional em 2014. A preocupação com o tema aumenta na mesma proporção que o volume de passageiros, fenômeno resultado do crescimento econômico, redução dos preços das passagens aéreas e o acesso das classes B e C aos serviços. Entre 2003 e 2008, o número de passageiros cresceu quase 60%, enquanto a média mundial foi de 35%. O relatório do TCU lança sérias dúvidas sobre a capacidade da Infraero de realizar os investimentos necessários para a realização da Copa do Mundo de 2014. “Um fator que poderá contribuir para o não cumprimento dos prazos é a concentração de desembolsos nos anos de 2013 e 2014 para alguns aeroportos. Isso significa que 60% dos investimentos serão realizados no ano do evento e no ano anterior”, diz um dos trechos do relatório.

No pacote de aceleração da Copa que Lula deve assinar nesta segunda-feira está a criação de uma fila paralela para obras que exijam financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ela agilizaria a captação de recursos do banco – item apontado pelo governo com um obstáculo para as obras de infraestrutura da Copa. Outra medida que poderia ajudar municípios e Estados a acelerar os gastos nas obras ligadas à Copa é aumentar o grau de endividamento. Essa mexida poderia ser feita a partir de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Atualmente, os municípios só podem pegar empréstimos no exato valor de sua arrecadação anual. Já os Estados podem pegar financiamentos no valor até duas vezes a arrecadação anual. Essa possibilidade, no entanto, não é bem-vista pelo especialista em contas públicas Raul Velloso. Para ele, o possível relaxamento da LRF traria impacto negativo para Estados e municípios. “Há o risco de zerar o superávit primário, que hoje está em torno de 0,6% e 0,7% do PIB, o que pode gerar um desequilíbrio fiscal”, diz o especialista. “Muito dos gastos tem efeito episódico. Só servirão mesmo para a Copa. Não é interessante ter tanto investimento público nisso.” A essa altura não se sabe o que o Mundial dará ao país. O que parece cada vez mais certo é que o contribuinte pagará por ele. Caro.

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Fonte: REVISTA ÉPOCA, via NOTIMP




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