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David Neeleman: Tudo é mais caro no Brasil; isso é falta de concorrência



Mariana Barbosa.

O fundador e dono da Azul defende a criação de terminais temporários nos aeroportos para dar conta da demanda da Copa e ataca a Lei das Licitações (de 1993, que estabelece normas e prazos para contratação por todas as esferas do poder público) e o TCU (Tribunal de Contas da União). Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - A Copa está se aproximando e a ampliação dos aeroportos não saiu do papel.

David Neeleman - Vai ser um grande problema. Sabe, eu queria acabar com a lei 8.666 (Lei das Licitações) e com o TCU. Em Vitória, gastaram R$ 30 milhões com as obras do aeroporto. Aí sumiu R$ 1 milhão e o TCU mandou parar tudo. Faz cinco anos que a obra está parada e os R$ 30 milhões foram para o lixo. Tem que investigar, mas não precisa parar a obra. Eu sempre pergunto aos brasileiros sobre isso e eles dizem: "Isso é o Brasil". Não aceito. A Nigéria não faz coisa tão estúpida.

Teremos caos aéreo na Copa?

Vocês ficam sempre pensando na construção de prédios. Mas dá para fazer terminais temporários. Temos um plano para um terminal em Viracopos que pode ser aberto antes da Copa. Em seis meses a gente constrói um pátio e um terminal. Já fiz isso quatro vezes nos EUA. Existem uns terminais infláveis que você arma em 30 dias. As cidades que estão crescendo muito no mundo não esperam cinco anos.

O que fazer com a Infraero?

O Estado pode ser dono da empresa, mas tem que liberar da [lei] 8.666. Devia ser como nos EUA, onde a autoridade aeroportuária não pode distribuir lucro. Não pode aumentar tarifa pra aumentar o lucro fácil. O lucro precisa ser todo reinvestido.

Se o governo decidir conceder à iniciativa privada a construção de terminais, o sr. teria interesse?

Não acho uma boa política para o consumidor, mas, se for a melhor maneira de fazer, eu faria o investimento.

A Azul transportou 7 milhões de passageiros em dois anos -batendo o recorde que era da sua ex-empresa nos EUA, a JetBlue.

A Azul começou com mais aviões do que a JetBlue. Mas é porque, durante a crise [financeira internacional], a Embraer pediu para nós recebermos mais aeronaves para eles manterem a linha de produção sem precisar demitir mais. Foi bom para nós, foi bom para eles.

O crescimento econômico do país ajudou.

Sim, mas o setor aéreo está crescendo três vezes mais que a economia. Há dois anos, quando olhamos o mercado brasileiro, eram 50 milhões de pessoas viajando, mas deveria ter 150 milhões já naquela época [hoje são 70 milhões]. E as duopolistas [TAM e Gol] que estavam em Campinas antes de nós estavam voando com a taxa de ocupação bem baixa.

E qual foi a estratégia?

Seguimos dois princípios: começamos a segmentar as tarifas [política que prevê preços mais baixos para quem compra com antecedência], atraindo pessoas que estavam viajando de ônibus. E a oferecer voos diretos. As pessoas não gostam de fazer conexão.

Mas TAM e Gol também fazem segmentação de tarifa.

Antes da Azul, a diferença entre a tarifa mais baixa e a mais alta era 50%. Agora é mais de 300%. Quando começamos a voar em Campinas, a tarifa lá era 20% mais alta do que em Guarulhos. Era como se as empresas falassem: se você quiser voar de Campinas, tem que pagar mais. Nós mudamos isso e o aeroporto explodiu.

Uma das coisas mais elogiadas da JetBlue é o call center, com atendentes trabalhando de casa. Por que não deu certo aqui?

Porque a Telefônica cobra por minuto nas ligações locais. Nos EUA, você paga US$ 40 e fala 20 horas por dia. Isso é falta de concorrência. Tudo é mais caro no Brasil. Celular, internet, linhas de telefone. Fico impressionado. As pessoas ganham salários menores aqui, mas pagam mais por quase tudo. Só casa e comida é mais barato.

Onde é mais fácil ganhar dinheiro, aqui ou nos EUA?

Aqui. Já temos quase 10% do mercado. A JetBlue tem 4% nos EUA, depois de dez anos.

A Azul tem 35 ônibus que levam as pessoas de graça para Viracopos. Qual o custo e a importância disso?

Faz parte do nosso negócio. O taxi de SP para Campinas custa R$ 250, mais do que a tarifa de avião.

De 7 milhões, quantos usaram o ônibus?

Talvez 1 milhão. Mas os ônibus não são nossos.

Mas isso é custo.

Sim, mas é uma parte pequena da nossa tarifa.

O sr. não quer dizer quanto?

Não quero dar ideia para os outros.

Um dia a Azul vai cobrar por esse serviço?

Íamos cobrar, mas tinha tanto imposto que não compensava. O retorno de imagem é mais do que o que a gente ganharia cobrando.

A Azul vai dar lucro em 2011?

Sem dúvida.

E qual a previsão de receita?

Vai ter bastante gente viajando com a Azul.

Vocês estão se preparando para uma oferta de ações?

Eu espero nunca ter de fazer isso. Empresa fechada é bom. Eu não preciso falar muitas coisas para vocês.

Mas é desejo dos acionistas.

Um dia. Mas eu que vou decidir, eles não podem me forçar, pois eu tenho o controle das ações com direito a voto. Claro, sou leal a eles. Deram o dinheiro e um dia tenho que devolver. [A Folha apurou que a Azul se prepara para abrir capital em 2012.]

PERFIL

Com 51 anos, Neeleman já criou 4 companhias

O sucesso da Azul tem gosto de vingança para seu fundador, David Neeleman, americano nascido no Brasil. Há quatro anos, feriado de São Valentim, quando uma tempestade paralisou a JetBlue nos EUA, ele entrou em confronto com os acionistas e acabou demitido da empresa que criou.

"O conselho queria que eu desaparecesse. Agora, eles têm sempre que ler sobre o David [ele não sai das páginas das revistas de negócios nos EUA]", diz Neeleman, 51, com seu português aprendido durante os dois anos em que viveu no Nordeste, como missionário mórmon, aos 19.

"Quando uma porta fecha, outras se abrem. Na Azul tem 3.000 pessoas e 7 milhões de clientes felizes por eu estar aqui."

Filho de um jornalista americano correspondente no Brasil nos anos 60, David viveu até os 5 anos em São Paulo. A Azul é sua quarta empresa aérea.

Aos 34, vendeu a primeira, Morris Air, para a Southwest. Virou empregado, mas queria continuar fazendo as coisas do seu jeito.

Com cinco meses foi demitido pelo presidente da Southwest, Herb Kelleher, que hoje o chama de "gênio empreendedor".

Para consolá-lo após a demissão, ganhou da mãe um livro sobre transtorno de deficit de atenção. "Não li, mas tinha uma parte com 21 itens que definem quem tem TDA. Me identifiquei."

Por contrato, teve que ficar cinco anos afastado da aviação nos EUA. Matou o tempo criando uma empresa no Canadá. Findo o prazo, foi para Nova York criar a JetBlue. Estava decidido a não ter patrão. Mas, após lançar as ações da JetBlue na Bolsa de Nova York, ganhou acionistas.

Presidia o conselho da JetBlue -então a aérea mais admirada dos EUA- quando foi demitido. A nevasca foi a gota d"água em uma queda de braço com o principal executivo, avesso a interferências.

Na Azul, mantém contato com os passageiros. Na empresa, em Alphaville, dá palestras de boas-vindas a novos funcionários. "Ele cobra muito e exige resultados rápidos", diz Miguel Dau, vice-presidente operacional da Azul. "Mas é muito educado e bem humorado."

Casado, pai de 9 filhos, passa três semanas por mês no Brasil. Orgulhoso da nova cria, não esconde o desejo de reconquistar a América. "A JetBlue é a minha empresa. Gostaria de voltar a fazer parte dela. Tenho só 50 anos e me sinto com 30. Quem sabe o que vai acontecer daqui a 10, 20?"

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO / NOTIMP








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