Empresas querem avião sem copiloto
Fabricantes de aviões, como a Embraer, estudam a substituição do segundo piloto dos aparelhos por computadores, para cortar custos
Gerald Traufetter
Caros demais, pesados demais e desnecessários: a fabricante brasileira de aviões Embraer tem baixa consideração pelos copilotos. Assim, a companhia pretende agora substituí-los por um computador.
Quando se trata dos sistemas encontrados em jatos de passageiros, raramente há apenas um deles. Por exemplo, há três indicadores de velocidade do ar e até cinco computadores de voo. Tem tudo a ver com redundância: se um dispositivo falhar, outro entra em ação.
O mesmo vale para pilotos. E, para que a comida estragada não coloque piloto e copiloto fora de ação ao mesmo tempo, existe uma regra básica na cabine: jamais escolha a mesma opção de cardápio. Mas, se as ideias de um punhado de engenheiros se tornarem realidade, a redundância na cabine poderá estar com os dias contados em breve - e os copilotos poderão desaparecer dentro de 10 a 15 anos.
Luiz Sérgio Chiessi, vice-presidente de inteligência do mercado de aviões da Embraer, a terceira maior fabricante mundial de aviões comerciais, diz: "Acreditamos que é tecnicamente possível." E o Flight International, o respeitado semanário aeroespacial britânico, concluiu que a Embraer é "a primeira fabricante a sair da toca sobre a questão de tripulações com um só piloto".
Com isso, a Embraer está desafiando o último tabu remanescente na cabine. Agora que operadores de rádio, navegadores e engenheiros de voo tombaram, vítimas de medidas de redução de despesas, o braço direito do piloto também poderá desaparecer. Até agora, as companhias aéreas fizeram investigações apenas discretas sobre a possibilidade de ter cabines com um só piloto. Mesmo a Airbus, a fabricante europeia de aviões, estaria fazendo pesquisas sobre o assunto.
Custo menor. Com tantas pressões para reduzir custos, as companhias são atraídas pela perspectiva de reduzir o número de empregados tão bem remunerados. De mais a mais, a rápida expansão do setor também ameaça provocar uma escassez de pilotos. Por exemplo, nos próximos 20 anos, a fabricante americana Boeing prevê que serão necessários 448 mil novos pilotos.
Pouco depois de a Embraer fazer seu bombástico anúncio, o Thales Group, um dos principais fabricantes mundiais de instrumentos de aviação, anunciou que também estuda a ideia de uma cabine com um único piloto. "Evidentemente, a resposta conveniente é: "Esqueçam, isso jamais acontecerá"", disse Joseph Huysseune, diretor de inovação para aviões comerciais da Thales ao Flight International. "Mas, olhando para um horizonte distante, temos ideias inteligentes nessa direção."
A companhia francesa está tocando um projeto chamado "Cockpit 3.0", que envolve automatizar os instrumentos de um avião o suficiente para permitir que um único piloto o comande.
Para muitos críticos, isso parece presunção. No entendimento deles, no futuro previsível, o estado da tecnologia não será capaz de proporcionar o grau necessário de credibilidade. "O avião teria de ser capaz de pousar sozinho se o único piloto na cabine ficar incapacitado", diz Dieter Reisinger, diretor da Associação Austríaca de Testes de Voo, baseada em Viena. Ou, então, o avião teria de saber como chegar ao próximo aeroporto sozinho, acrescenta Reisinger, ou os instrumentos poderiam ter de ser operados remotamente do solo, "como um aeromodelo".
Controle. Em função dessas cobranças, Embraer e Thales estão se concentrando numa arquitetura completamente nova do controle de tráfego aéreo atualmente em desenvolvimento nos EUA e na Europa. Ela inclui conexões de satélite de alto desempenho entre o avião e controladores de solo, além de uma determinação de posição extremamente precisa.
Hoje, os aviões já podem pousar automaticamente em pistas com a ajuda de feixes de luz como guia. Mas os pilotos ainda monitoram o processo todo. Numa situação de emergência - como quando ocorre um forte vento cruzado ou um outro avião bloqueando a pista - eles podem interferir e assumir o controle do avião a qualquer momento.
"Há milhares de situações que um ser humano pode controlar criativamente", diz Holger Duda, do Instituto de Sistemas de Voo em Braunschweig, parte do Centro Aeroespacial Alemão. Mas, para obter aprovação das autoridades de aviação, acrescenta, um fabricante teria de provar que os computadores tomariam as decisões acertadas em todas essas situações. E isso, acredita Duda, é "virtualmente impossível".
Mas é grande a tentação de reduzir pela metade a tripulação na cabine. Funcionários da Thales especulam que o processo poderia começar com aviões de carga, em vez dos grandes aviões de passageiros.
E a Embraer, por sua parte, está concentrada nos jatos executivos. Os menores desses - incluindo seus modelos Phenom 100 e 300 - já foram aprovados para apenas um piloto. A companhia já foi capaz de reduzir a carga de trabalho de um piloto nesses aviões, por exemplo, com a lista de verificação de procedimentos. "Se você pegar a lista de verificação de um avião convencional", diz Chiessi, da Embraer, "para cada 10 itens que encontrar, há apenas um ou dois no Phenom".
Sindicatos de pilotos já se unem contra mudança
Sindicatos de pilotos estão se unindo contra essa mudança potencialmente importante. segundo Jörg Handwerg, porta-voz do sindicato de pilotos alemães Cockpit, os pilotos representam apenas 4% a 5% dos custos totais da aviação. "Duvido que realmente valha a pena para as companhias implementar um sistema novo complexo como esses", diz ele.
Em fóruns online, alguns colegas de Handwerg expressam um ataque mais frívolo aos planos ambiciosos da Embraer e da Thales. Um comandante escreveu, por exemplo, que o piloto extra poderia deitar de bruços na cabine e pilotar o avião dali, como uma forma de "criar espaço para mais um assento na primeira classe".
Fonte: O ESTADO DE SÃO PAULO, via NOTIMP