Empresas aéreas esvaziam juizados especiais
Em Guarulhos, companhias faltaram a 52% das audiências de 2011 até 14 de março .
Webjet é a mais ausente .
Sem acordo, queixas de passageiros não são resolvidas dentro do próprio aeroporto e vão parar na Justiça .
Ricardo Gallo .
Empresas aéreas têm ignorado os juizados especiais dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas, criados para resolver, na hora, problemas causados aos passageiros.
Os juizados tentam mediar um acordo entre as partes. Em parte dos casos, ninguém das empresas aparece para negociar ao ser chamado.
Resultado: as reclamações se transformam em processo judicial -o que faz o juizado perder uma de suas funções, a de promover conciliação e, consequentemente, aliviar o Poder Judiciário.
Em Guarulhos, aeroporto mais movimentado do país, 52% das reclamações ao juizado não são resolvidas por ausência das empresas. Em Congonhas, 34%.
São queixas, em geral, por cancelamento de voo, atraso, falta de assistência e problemas com a bagagem.
Os números foram compilados pela Folha a partir de informações do Tribunal de Justiça de São Paulo. Correspondem ao período entre 1º de janeiro e 14 deste mês.
Várias empresas nacionais e internacionais (no caso de Cumbica), deixaram de atender ao pedido da Justiça. A brasileira Webjet, proporcionalmente, é a mais ausente.
A companhia, a quarta maior empresa do país em passageiros transportados, compareceu a menos de 1% das audiências.
Maiores aéreas do país, Gol e TAM já chegaram a faltar quando chamadas. As duas, no entanto, atendem à maioria das convocações.
Da mesma forma, internacionais como TAP (Portugal), British Airways (Inglaterra), Iberia (Espanha), Delta (EUA), e Aerosur (Bolívia) também já se ausentaram.
DESCASO
Pelos registros de Guarulhos, a Webjet, sozinha, recebeu 149 queixas -30% do total do juizado no período. A companhia fez dois acordos.
A médica Juliana Bemfeito de Moraes, 26, ficou por uma hora à espera de alguém da empresa em 13 de janeiro, quando um voo que ela pegaria para Curitiba atrasou sem reacomodação noutra aeronave. Como ninguém apareceu, o caso foi para a Justiça.
"Fiquei com tanta raiva que pedi o valor máximo [R$ 10 mil]." A Webjet, disse ela, reembolsou o valor da passagem um mês depois.
O processo judicial continuou; a audiência será no fórum de Santo Amaro, sem data para acontecer.
A Webjet atua principalmente com passagens de baixo custo - seu nome vem acompanhado do epíteto "Linhas aéreas Econômicas".
À Folha a empresa informou que resolve reclamações diretamente no balcão.
À Justiça é comum o argumento de falta de pessoal disponível para ir até o juizado.
Ninguém é obrigado a comparecer. Mas, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as empresas se comprometeram a designar representantes para atender aos passageiros no juizado.
"É um descaso com o consumidor", diz Ricardo Chimenti, juiz auxiliar da corregedoria do CNJ, para quem a ausência demonstra má vontade das empresas. Os juizados dos aeroportos existem desde julho de 2010.
Frase
"Fiquei com tanta raiva [de a empresa não aparecer no juizado para resolver o problema de reacomodação de voo] que pedi o valor máximo [R$ 10 mil]"
JULIANA BEMFEITO DE MORAES
médica
Índice de acordo ainda é baixo nos juizados especiais
O fato de uma empresa aérea ir até o juizado especial do aeroporto não garante acordo com o passageiro.
Em Guarulhos, um a cada cinco casos resultou em conciliação (18%); em Congonhas, um a cada dez (11%).
O índice de acordos em juizados especiais cíveis em geral gira em torno de 20%.
A empresa aérea é convocada quando o passageiro consegue demonstrar algum tipo de prejuízo. Elas jamais oferecem dinheiro, afirma a juíza Monica Ferreira, coordenadora dos juizados de Guarulhos e Congonhas.
É uma estratégia jurídica para não abrir precedentes.
Entre as maiores empresas brasileiras, a Gol fez acordos em 34% dos casos em Guarulhos e 17% em Congonhas. Na TAM, esse índice foi de 20% e 5%, respectivamente.
Avianca (54% e 20%) e Trip (67% em Guarulhos; não houve reclamações em Congonhas) completam a lista. Não há queixa contra a Azul.
A Webjet é quem fez menos acordos: dois. Foram 149 reclamações em Guarulhos e 24 em Congonhas.
Entre as internacionais, a Air France foi a que mais aceitou acordos; em quatro reclamações, foram três.
Companhias afirmam que cumprem a lei
OUTRO LADO
As empresas aéreas brasileiras afirmam cumprir a lei quanto ao atendimento em caso de cancelamentos, atrasos e overbooking (venda de passagens além da capacidade do avião).
Todas se referem a resolução de 2010 da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) que prevê reacomodação, reembolso e endosso do bilhete, além de multas.
A regra, porém, não prevê indenização -para tal, os passageiros devem recorrer aos juizados especiais cíveis.
Empresa que mais faltou ao juizado, a Webjet disse que segue "rigorosamente" a resolução da Anac.
O índice de satisfação é de 90%, diz a empresa.
A orientação da Gol, segundo a assessoria de imprensa da companhia, é sempre enviar um representante às audiências. A empresa disse que vai apurar por que isso não ocorreu em 13 de janeiro, em Guarulhos.
A TAM diz estar "sempre empenhada em prestar o melhor serviço" e que segue a lei. Em 5 de março, o juizado de Congonhas registrou 23 reclamações contra a empresa; em ao menos 19 delas, nenhum representante da empresa compareceu.
A empresa diz que seus números são diferentes dos apresentados. E que esteve nas audiências do dia 5.
O Snea (sindicato das empresas aéreas) relativizou a ausência das companhias ao juizado. Baseada em dados de 2010, a entidade diz que as queixas chegam no máximo a 0,02% do total de passageiros transportados no país.
"Foram 155 milhões [total de passageiros em 2010 no Brasil] de oportunidades de reclamações e 35 mil queixas", informou o sindicato.
Nesse cenário, criticar as empresas aéreas é "olhar o copo vazio, não o copo cheio", disse o Snea.
Entidade que representa as companhias internacionais no Brasil, a Jurcaib disse que as empresas, "em geral", comparecem às audiências.
Falta, contudo, pessoal no aeroporto durante todo o dia. "Algumas dispõem de um ou dois voo diários. Há um período no qual não há disponibilidade de ninguém para comparecer à audiência, o que definitivamente não implica falta de interesse em comparecer por parte da empresa", disse Robson Bortolossi, presidente da Jurcaib.
O mesmo ocorre, diz, se a audiência ocorre quando os funcionários estão envolvidos em algum voo.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO / NOTIMP
Foto: Andomenda