Marinha: Mar de tesouros
Apelidada de "Amazônia Azul", a faixa de água de 3,5 milhões de km² de nosso litoral esconde riquezas que vão muito além do petróleo.
Entenda por que a Marinha está de olho nelas
Wilson Aquino
A Marinha brasileira tem frequentado o noticiário por conta de suas intenções bélicas, que incluem a fabricação de um submarino com propulsão nuclear já em desenvolvimento pelo Programa Nuclear da Marinha (PNM), no qual já foi investido mais de US$ 1 bilhão. No entanto, a instituição quer cravar sua marca em outro tipo de trabalho: as pesquisas sobre as nossas riquezas em águas profundas. Se, por um lado, a Marinha quer cercar de sigilo o projeto nuclear, por outro, está ávida por compartilhar com a sociedade civil as descobertas e principalmente os custos das suas investigações oceanográficas. A ponto de a falta de engajamento da iniciativa privada no desenvolvimento de pesquisas marinhas virar alvo de queixas dos militares.
Não por acaso, na última reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no final de julho, o contra-almirante Marcos José de Carvalho Ferreira, coordenador da Comissão Interministerial de Recursos do Mar (CIRM), reclamou maior comprometimento do setor produtivo brasileiro. As empresas preferem manter os pés na terra, em vez de ir para o mar, que não é para amadores e oferece riscos que precisam ser enfrentados, afirmou o militar. É uma convocação e tanto. O Brasil tem cerca de oito mil quilômetros de litoral e uma zona econômica exclusiva de espaço marítimo que mede em torno de 3,5 milhões de quilômetros quadrados. Mas, com exceção da prospecção petrolífera, campo no qual somos líderes mundiais de exploração em águas profundas, pouca coisa se aproveita desse imenso território já apelidado de Amazônia Azul, por causa de sua biodiversidade.
Até a atividade pesqueira nacional é ínfima quando levamos em conta a dimensão do nosso mar. O Brasil tem capacidade para produzir 20 toneladas anuais de pescado, mas chega a pouco mais de um milhão por ano. As pesquisas coordenadas pela Marinha na identificação de jazidas minerais submarinas e no estudo da biodiversidade esbarram na formação incipiente de pesquisadores das ciências do mar e, acima de tudo, na falta de verbas para estudos sobre a potencialidade de nossas águas. Daí a estratégia da Marinha de estimular a participação da iniciativa privada nas pesquisas.
A comissão coordenada pelo contra-almirante Marcos José de Carvalho Ferreira já identificou jazidas de ouro, diamante, cobre, prata e zinco no fundo do mar, minerais que podem ser extraídos, contanto que sejam tomadas as precauções ambientais devidas. Isso sem citar os recursos agregados, como areia e cascalho, próprios para a construção civil. Nas áreas medicinal e farmacológica, os pesquisadores têm dedicado seus esforços em estudos sobre esponjas, algas e anêmonas com forte potencial para o tratamento de doenças, como úlceras, mau funcionamento dos sistemas nervoso central e cardiovascular e dores crônicas. O calcário marinho também é um componente importante na produção de adubo e ração animal, completa o oceanógrafo David Zee, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Mas as pesquisas andam a passo de tartaruga em consequência da falta de dinheiro. O professor de oceanografia Fábio Hazin, da Universidade Federal de Pernambuco, concorda com os militares, mas vê a administração da coisa pública como grande empecilho entre a pesquisa e a iniciativa privada. A interação entre as empresas e as universidades no Brasil é extremamente tímida e esbarra na burocracia. A gente fica refém dos recursos oficiais, afirma Hazin. O pesquisador desenvolve, com apoio da Marinha, um programa de piscicultura batizado de Cação de Escama, nome popular do beijupirá, um pescado nobre, bem aceito no mercado e de grande potencial gastronômico, mas que não é encontrado com facilidade na costa brasileira.
A Marinha mantém estações científicas em alto-mar para basear pesquisadores em busca de conhecimento sobre o potencial estratégico e econômico do oceano. Uma das mais importantes está localizada no inóspito arquipélago São Pedro e São Paulo, distante 1.100 quilômetros do litoral do Rio Grande do Norte, onde são desenvolvidas pesquisas oceanográficas e meteorológicas. Também no Nordeste fica a reserva biológica do Atol das Rocas, um verdadeiro manancial de substâncias que podem ser utilizadas na indústria farmacêutica, de alimentos e de cosméticos. Na Alemanha, as empresas fazem convênios com as universidades em campos de seu interesse. Noventa por cento dos financiamentos de pesquisas das universidades são bancados pela iniciativa privada. No Brasil, esse índice não chega a 2%, afirma o gaúcho Danilo Koetz Calazans, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Que o exemplo alemão seja seguido.
Fonte: REVISTA ISTO É, via NOTIMP