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José Eduardo Cardozo: "Um pacto político contra o crime"






O ministro da Justiça diz como pretende unir o governo federal e os Estados no combate à violência.

Leonel Rocha e Marcelo Rocha.

Desde que assumiu o Ministério da Justiça, a rotina do paulistano José Eduardo Cardozo tem sido chegar cedo ao gabinete e só deixar o trabalho no início da madrugada. Sempre com a agenda cheia, ele trata de assuntos variados que vão desde o novo modelo da carteira de identidade até acordos com países vizinhos para combater o narcotráfico. Cardozo elegeu a construção de um pacto político nacional contra o crime organizado sua principal missão no ministério. Na semana passada, ele recebeu ÉPOCA para falar sobre esse e outros assuntos e revelou que a presidenta Dilma exige que os nomeados para cargos de confiança no governo cumpram os critérios da Lei Ficha Limpa, instituída para barrar condenados em decisões judiciais em segunda instância de disputar as eleições.

ENTREVISTA - JOSÉ EDUARDO CARDOZO

QUEM É
Paulistano, 52 anos, é separado e tem uma filha de 18 anos

CARREIRA POLÍTICA
Foi vereador em São Paulo e exerceu dois mandatos como deputado federal. Foi um dos coordenadores da campanha presidencial de Dilma Rousseff

FORMAÇÃO
Advogado e procurador do município de São Paulo, é mestre e doutor em Direito. Professor da PUC de São Paulo, escreveu o livro Da retroatividade da lei

ÉPOCA – O senhor anunciou que vai costurar um acordo político com os governadores para combater o crime organizado. Qual é a razão dessa iniciativa, já que o Ministério da Justiça dispõe do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), que repassa verbas da União para a segurança pública nos Estados?
José Eduardo Cardozo – O Pronasci é um programa inovador e estabelecido com premissas corretas. A ideia é dar sequência a ele, aprofundar iniciativas e medidas, estreitar a aliança entre o ministério e os governos estaduais. Vamos começar avaliando o Pronasci pelo Rio de Janeiro para detectarmos falhas, avanços e o que mais pode ser implantado. Não pretendemos impor nenhum tipo de política aos governadores. Queremos ouvir sugestões, apresentar outras e verificar quais os elementos comuns para a construção de um pacto nacional contra o crime organizado.


ÉPOCA – Como será esse pacto na prática?
Cardozo – Esse pacto terá de ser construído com um minucioso trabalho técnico. Não queremos que seja um evento midiático e terá de estar alicerçado em bases jurídicas. As equipes técnicas vão se reunir para fazer um diagnóstico da situação específica em cada Estado, verificar quais as possibilidades orçamentárias e conjugar esforços. Também faremos uma reunião com os secretários de Segurança que servirá de preparação para o encontro dos governadores com a presidenta Dilma, que ocorrerá em fevereiro ou março.


ÉPOCA – Problemas no relacionamento do governo federal com os governadores não podem dificultar esse pacto?
Cardozo – Sempre existem dificuldades na estrutura federativa brasileira, sejam de natureza jurídica, operacional ou política. Nem sempre os entes da Federação dialogam a partir de programas de governo. Essa é uma questão a ser superada. Temos de procurar nossas convergências, porque esse acordo político é essencial para combater o crime organizado, enfrentar o problema das drogas e tentar reduzir a violência.


”Não queremos que o pacto seja um evento midiático. Ele
terá de ser construído com um minucioso trabalho técnico”


ÉPOCA – Com que aspectos da segurança pública o governo está mais preocupado?
Cardozo – O crime organizado e o tráfico de drogas são os principais problemas. A tragédia das drogas é potencializada pelo crime organizado, e o crime organizado é potencializado pelo consumo de drogas. São indissociáveis do ponto de vista preventivo e repressivo. É necessário atacar as organizações criminosas, controlar melhor as fronteiras, fortalecer a investigação policial e o setor de inteligência, asfixiar o poderio financeiro das organizações e punir rigorosamente. Do lado do consumo de drogas, temos de atuar preventivamente do ponto de vista da saúde pública e dar atenção especial ao dependente.


ÉPOCA – O principal problema das drogas é o aumento do consumo de crack?
Cardozo – O crack é uma droga perversa, de fácil produção e barata. Os danos à saúde são incomensuráveis. Merece atenção especial porque se transformou em um problema gravíssimo. Precisamos combater a produção e a distribuição com políticas adequadas de repressão, prevenção, orientação social e tratamento dos dependentes.


ÉPOCA – O governo quer alterar a legislação para tratar de forma diferenciada os pequenos traficantes e permitir a aplicação de penas alternativas a eles?
Cardozo – Temos uma política de endurecimento em relação ao traficante que participa de organizações criminosas. Não vamos encaminhar nenhum projeto de lei que traga algum tipo de beneficiamento a traficantes. A posição do governo é a expressa no projeto de lei enviado ao Congresso que tipifica o crime organizado. Pelo projeto, o traficante que for condenado, se pertencer ao crime organizado, não só receberá sua pena pelo tráfico, como sofrerá um acréscimo de pena de três a dez anos pelo fato de participar de organização criminosa.


ÉPOCA – Um relatório do Exército diz que o tráfico de drogas no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, voltou. Já se esperava que a ocupação do Alemão não acabasse completamente com a ação dos traficantes?
Cardozo – Não existe operação de combate ao crime organizado que possa ser feita com mágica. O que existe são ações competentes que devem ser construídas, planejadas e executadas de forma integrada. O caso do Alemão tem uma dimensão emblemática, ficou conhecido nacionalmente e mostra que aquela operação foi feita com acerto e muita competência pelas autoridades do Estado. E vamos reproduzi-la em todo o país, com adaptações.


ÉPOCA – O modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se aplica a outros Estados?
Cardozo – As UPPs são experiências muito interessantes e devem ser levadas a outros Estados. O modelo do Rio é o mesmo aplicado no programa Territórios de Paz, que o Pronasci desenvolve.


ÉPOCA – O governo pretende assinar acordos com países vizinhos para o combate ao narcotráfico fora de nossas fronteiras, como já aconteceu com o Paraguai?
Cardozo – A vigilância das fronteiras é fundamental para o combate ao crime organizado. E não haverá plano eficiente de combate aos crimes na fronteira sem colaboração com os vizinhos. O Ministério da Justiça já vinha estabelecendo protocolos de intenções com países vizinhos. Vamos voltar a discutir o assunto em uma viagem que farei à Bolívia. Há países que não têm as nossas condições técnicas e estruturais. Nesses casos, temos de saber o que eles podem fornecer e o que poderemos fornecer. Se há países com óbices legais, é importante discutir as ações desses governos para que suas leis sejam aperfeiçoadas. Se há países com dificuldades estruturais ou operacionais, vamos verificar como poderão ser superadas.


ÉPOCA – Na fronteira do Brasil com a Bolívia, há um trânsito intenso de pessoas. Será preciso restringir a circulação para reprimir o tráfico?
Cardozo – As ações de segurança pública nunca podem afetar direitos. O direito de ir e vir não pode ser impedido. Nem com a Bolívia, nem com os Estados Unidos, nem com ninguém. É indispensável que tenhamos mecanismos de segurança ajustados à realidade das fronteiras. Se as pessoas têm condições legais de entrar, entrarão.


”A presidenta me disse textualmente: se uma pessoa não tem
condições de disputar eleição, não pode ocupar cargo público”


ÉPOCA – O que pode ser feito então?
Cardozo – O governo tem de aperfeiçoar a Operação Sentinela e o Pefron (Policiamento Especializado de Fronteiras), aprofundar as relações da Polícia Federal com as Forças Armadas para aproveitar a capacidade operacional e logística dos militares. Precisamos utilizar mecanismos tecnológicos de ponta. Inteligência e informação são indispensáveis. Os veículos aéreos não tripulados, os Vants, começarão a operar em fevereiro, percorrendo as fronteiras e registrando ações sintonizadas com as Forças terrestres.


ÉPOCA – O crime organizado não atua somente no tráfico de drogas. Age na evasão de divisas e em outros crimes que envolvem personagens de colarinho branco. Como combater esse tipo de crime?
Cardozo – A estrutura do crime organizado é proporcional ao nível de corrupção no Estado, o que exige combater esse crime com muito vigor. Ao longo do governo Lula, a Polícia Federal atuou de forma republicana e livre de orientações políticas. Cada vez mais teremos uma polícia de Estado, e não de um governo. O Ministério da Justiça se capacitou para buscar o dinheiro desviado e a Secretaria Nacional de Justiça hoje tem um órgão que visa à recuperação desses ativos. O governo garantiu independência do Ministério Público com nomeações de procuradores-gerais sem comprometimento com o acobertamento de situações. Essas ações terão continuidade.


ÉPOCA – O governo Dilma começou com uma denúncia contra o recém-nomeado secretário executivo do Ministério do Turismo, Frederico da Costa, que teve os bens bloqueados pela Justiça por irregularidades na extinta Sudam. Como ficará o combate à corrupção na máquina pública?
Cardozo – A presidenta Dilma Rousseff tem uma diretriz muito segura em relação à formação de sua equipe de governo. Ela nos orientou dizendo que as nomeações para cargos de confiança deveriam respeitar os critérios da Lei Ficha Limpa e que não permitiria indicações que transgredissem os critérios dessa lei. Ela me disse textualmente: se uma pessoa não tem condições de disputar eleição, não pode ocupar cargo público. Esse é o critério que a presidenta estabeleceu para todos os ministros e os cargos de confiança. Foi uma promessa eleitoral que ela cumprirá. Quanto a casos individuais, não posso tecer considerações a respeito. Respeito todas as nomeações feitas pela presidenta. Mas entendo que as leis precisam ser aperfeiçoadas para que possamos ter os processos administrativos mais ágeis e expulsar do serviço público quem comprovadamente cometeu irregularidades.

Fonte: REVISTA ÉPOCA / NOTIMP




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