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Diplomacia às claras






Embaixador dos Estados Unidos no Brasil espera relação "sem surpresas" entre países e revela interesse em aprofundar diálogo

Isabel Fleck.

Em dezembro passado, uma decisão tomada pelo governo brasileiro pegou Washington de surpresa. O reconhecimento oficial do estado Palestino, de acordo com as fronteiras de 1967, não havia sido comunicado ao embaixador Thomas Shannon, o mais alto representante no Brasil dos Estados Unidos — principal mediador do processo de paz no Oriente Médio. A novidade causou um incômodo no governo americano semelhante ao que foi sentido no Planalto após o conhecimento do acordo de Defesa fechado entre os EUA e a Colômbia para a utilização de bases militares no país vizinho, em 2009. Para Shannon, surpresas como essas não devem ser repetidas daqui para frente, para o bem das relações entre os dois países.

“É preciso manter canais de comunicações abertos em todos os níveis, mas principalmente no nível das lideranças e de chanceleres. E também ter uma política de ‘no surprises’ (sem surpresas)”, assegurou o embaixador, em entrevista exclusiva ao Correio. Tirando essa ressalva, o experiente diplomata, que surpreende pela tranquilidade e pela fluência no idioma português, vê com otimismo o futuro das relações entre os dois países no governo de Dilma Rousseff. Para ele, tanto a nova presidente como seu chanceler, Antonio Patriota, de quem se aproximou bastante em Washington, demonstram “capacidade de serem inovadores” para a relação bilateral. “Há, nesse momento, um interesse dos dois países de aprofundar as relações, como um reconhecimento de que, com o mundo mudando dinamicamente, e com o Brasil transformando-se a cada dia em um poder global, é necessário pensar nas relações entre os dois países de uma maneira nova”, observa.

O embaixador, contudo, rejeita a ideia de que os últimos oito anos tenham sido ruins para a relação entre Brasília e Washington, ou que o governo Lula, tomado por um viés antiamericano, tenha se afastado dos Estados Unidos. “Nas relações entre os presidentes, as chancelarias e os governos, temos hoje uma estrutura de diálogo muito mais ampla e produtiva do que antes. Mas é importante entender que o motor das mudanças que estão ocorrendo dentro da relação não é ideológico. O motor são as mudanças que estão ocorrendo no mundo e a transformação que está acontecendo aqui no Brasil.”


Da protegida sala que ocupa na embaixada em Brasília há pouco menos de um ano, o embaixador assegura que sua rotina não mudou após o vazamento, pelo site WikiLeaks, de documentos da diplomacia americana — alguns deles assinados, inclusive, pelo próprio Shannon. Para ele, é importante não se deixar intimidar pelo episódio, que também não teria, segundo o diplomata, afetado a relação com o governo brasileiro. Tanto que uma de suas muitas tarefas tem sido discutir a data da primeira visita do presidente Barack Obama ao Brasil. Questionado se ela ocorrerá ainda neste semestre, ele despista: “Prefiro deixar isso nas mãos da Casa Branca”. Já Dilma é esperada em Washington em meados de março.

Entrevista THOMAS SHANNON

O senhor acredita que houve um afastamento entre Brasil e EUA, nos últimos oito anos, por conta de um viés antiamericano do
governo Lula?
Eu diria que os oito anos do presidente Lula marcaram uma das melhores etapas nas relações entre o Brasil e os EUA, tanto na quantidade como na qualidade do diálogo e da comunicação. Nas relações entre os presidentes, as chancelarias e os governos, temos hoje uma estrutura de diálogo muito mais ampla e produtiva do que antes. Mas é importante entender que o motor das mudanças que estão ocorrendo dentro da relação não é ideológico. O motor são as mudanças que estão ocorrendo no mundo e a transformação que está acontecendo aqui no Brasil. A relação não é estática. Ela é dinâmica, complexa, e, às vezes, complicada. E, cada dia, requer uma diplomacia mais hábil, ágil, flexível e com capacidade de entender oportunidades e aproveitá-las.

Considerando o perfil da presidente Dilma Rousseff e de seu chanceler, Antonio Patriota, o que pode mudar nas relações entre os dois países?
Para começar, o Brasil e os EUA sempre tiveram relações excelentes, baseadas na amizade. Mas o que há nesse momento é um interesse, uma vontade dos países de aprofundarem as relações, como um reconhecimento de que, com o mundo mudando dinamicamente e com o Brasil transformando-se a cada dia em um poder global, é necessário pensar nas relações entre os dois países de uma maneira nova. E eu acredito que a presidente e o chanceler têm a capacidade de serem inovadores. Do nosso lado, temos muita esperança, otimismo e vontade de trabalhar.

O fato de Patriota ter sido embaixador nos EUA e conhecer a dinâmica de Washington pode aproximar os dois países?
A escolha de Antonio Patriota foi excelente, não só para os Estados Unidos, mas para o Brasil, porque ele tem uma trajetória impressionante dentro do serviço exterior, tem muita experiência em diferentes partes do mundo. Um de seus primeiros postos, por exemplo, foi a China. É claro que seu tempo nos EUA ajuda, porque ele entende a dinâmica política de Washington e também as nossas idiossincrasias e as excentricidades — o que vai contribuir para procurar soluções pragmáticas para problemas.

O senhor defende que Brasil e EUA devem manter o foco sobre os pontos de convergência, e não permitir que as divergências atrapalhem a relação. Quais desses pontos podem ser melhorados?
Os dois países têm muito interesse em trabalhar na área de comércio e investimentos, porque, nesse momento, temos um nível importante de comércio, de US$ 50 bilhões. Mas isso é pouco, se comparado com a potencialidade e a oportunidade existentes nas economias dos dois países e com as relações históricas entre as economias e as empresas privadas. Há muito interesse também em se traba-lhar com a energia, especialmente a renovável, e de aprofundar a nossa colaboração sobre mudanças climáticas. Temos olhado para a área de segurança alimentar, porque os EUA e o Brasil são dois dos países mais importantes do mundo na produção de alimentos e de produtos agrícolas. Há muito interesse também na renovação de organizações internacionais. Outra área de atenção são os eventos internacionais que ocorrerão no Brasil, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo.

Mas também não há como deixar de lado as divergências, com um Brasil cada vez mais atuante no cenário internacional.
De que modo é possível trabalhar esses pontos de atrito, como foi a questão do programa nuclear do Irã?
Com diálogo. É preciso falar, falar e falar. E também manter canais de comunicações abertos em todos os níveis, mas principalmente no nível das lideranças e de chanceleres. E também ter uma política de “no surprises” (sem surpresas) — ou seja, compartilhar, especialmente nas áreas mais sensíveis, não somente nossos pontos de vista, mas as coisas que vamos fazer dentro de nossa diplomacia.

Algumas surpresas brasileiras incomodaram Washington no último governo?
Os dois lados às vezes não se comunicaram de maneira adequada. O nosso acordo de defesa com a Colômbia surpreendeu o Brasil, da mesma maneira que a decisão do Brasil em reconhecer o Estado palestino nos surpreendeu. No futuro, isso não deve ocorrer.

Washington recebeu as declarações de Dilma sobre os direitos humanos no Irã como um sinal de possível mudança na postura brasileira em relação a Teerã?
Em seus pronunciamentos, seja na entrevista ao Washington Post, ou, mais recentemente, no seu discurso no Congresso durante a posse, ela mostrou claramente um interesse em promover os direitos humanos como parte integral de uma sociedade democrática. Isso foi bem recebido em Washington e em outras partes do mundo. O Brasil tem um soft power (“poder suave”, pela tradução literal) que lhe permite falar de democracia e de direitos humanos por sua própria experiência — como um país que saiu do autoritarismo de governos militares para estabelecer e consolidar uma democracia que respeita os direitos humanos e promove uma sociedade aberta e tolerante.

Essas críticas podem ser um sinal de que a relação política com
Teerã também não será como no governo anterior?
São coisas diferentes. Quando ela fala de direitos humanos, não está falando só do Irã, mas do mundo inteiro, de maneira global. Está reconhecendo alguns direitos como fundamentais, mas não para um país específico.

Em um dos documentos vazados pelo site WikiLeaks, a embaixada em Brasília relatou que o Brasil tem uma “necessidade neurótica” de ser igual aos EUA. Isso tende a se acentuar, com uma maior atuação brasileira no cenário internacional?
Não é nada neurótico. O Brasil é um poder emergente no mundo e o povo brasileiro tem todo o direito de querer ser um poder — essa ambição é legítima, é positiva. Mas eu diria, com a minha expe-riência como embaixador americano aqui, que o Brasil não quer ser igual aos EUA. O Brasil deseja realizar o potencial do Brasil, os brasileiros querem ser brasileiros, e isso é algo que nós admiramos e respeitamos.

A embaixada do Brasil está tomando mais cuidado com as mensagens enviadas a Washington? O senhor mudou sua rotina de trabalho, como embaixador?
Não, não. (Pausa) Ainda jovem, eu aprendi que não podemos nos permitir intimidar por outras pessoas. Então, vamos seguir fazendo o nosso trabalho.

A decisão sobre os caças foi deixada para o governo Dilma. O senhor acredita que esse é um sinal de que ainda há chances para a proposta americana?
Para nós, a concorrência ainda está aberta. O Brasil expressou claramente sua preocupação sobre a transferência de tecnologia. Após as cartas enviadas pelos secretários (de Estado, Hillary) Clinton e (de Defesa, Robert) Gates e também após o que falou o senador (John) McCain ontem (segunda-feira), vamos fazer todo o possível para mostrar que a Boeing oferece não somente uma transferência de tecnologia importante, mas também a oportunidade para a indústria de aviação brasileira estabelecer uma relação, uma parceria estratégica com a maior e mais importante companhia de aviação do mundo
.

A visita de um senador como McCain ao Brasil, já na segunda semana de trabalho de Dilma Rousseff, demonstra um interesse maior pelo país?
Essa foi uma visita excelente, que refletiu o entendimento em Washington e no Congresso da importância do Brasil. E acredito que os senadores McCain e (John) Barrasso vão voltar para o Senado com a forte mensagem de que “o gigante silencioso despertou”, como disse McCain.

O que o Brasil ainda deve fazer para mostrar que está apto a ser membro permanente do Conselho de Segurança?
Quando o mundo pensa em reformar o Conselho de Segurança, pensa primeiro em um órgão que represente melhor a atualidade do poder no mundo. Isto é, que capte o fato de que existe uma série de países que são poderes hoje, mas que não foram poderes em 1950. O Brasil, obviamente, faz parte desse grupo. Além disso, para o bem-estar do Conselho de Segurança, o mundo procura países que têm uma história de respeito com as Nações Unidas e com o Conselho, e o Brasil também faz parte desse grupo.

Os EUA mantiveram a tarifa de importação do etanol brasileiro
e os subsídios aos produtores americanos. O senhor acredita que o governo brasileiro levará isso também à Organização
Mundial do Comércio, como ocorreu com o algodão?
Quais seriam as implicações disso na relação?
Só o governo do Brasil pode responder a essa pergunta. E o tema de tarifas do Congresso. Mas acredito que, na área de energia, especialmente no setor de biocombustíveis, o Brasil e os EUA têm um desafio comum, que é torná-los commodities e chegar a uma terceira geração (de biocombustíveis). Além disso, não é possível pensar uma indústria transnacional ou internacional que use apenas um tipo de matéria-prima (cana-de-açúcar ou milho) em biocombustíveis. Queremos enfocar as nossas pesquisas nessa área.

O massacre ocorrido no Arizona, que teve uma deputada democrata como alvo, pode acirrar ainda mais a polarização partidária nos EUA?
Para começar, os eventos de Tucson foram horríveis e trágicos (leia na página 21). Uma grande deputada, Gabrielle Giffords, está lutando pela sua sobrevivência. Seis pessoas, inclusive uma menina de nova anos, foram mortas brutalmente. Seria um erro vincular esse ato à retórica política nos EUA. E acredito que os policiais e os tribunais vão mostrar isso. Mas o presidente da Câmara dos Deputados e os membros do Congresso, além de condenarem os eventos em Tucson, já falaram da importância de se lembrar que, dentro dos EUA e da política, não há inimigos — talvez adversários —, e que todos nós somos cidadãos, somos americanos e temos um destino comum. O importante é trabalhar para evitar esse tipo de violência.

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE / NOTIMP



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